editado e publicado em 01Fev09
Imediatamente[1] o texto de Benjamim[2] traz à memória um livro de Paul Singer, "Curso de Introdução Economia Política", que reunia uma série de conferências proferidas por ele no Teatro de Arena ou Teatro Oficina em 1968 em São Paulo, na época da ditadura militar[3]. Ele se propunha a expor temas tais como emprego, produtividade, desemprego, desenvolvimento, crises e etc, abordando-os sistematicamente segundo três correntes do pensamento econômico: a neoclássica, a keynesiana e a marxista. Este livro tornou-se um best seller nos anos 70 e 80 para as esquerdas em geral, primeiro pela sua abordagem sintética e integranda do conjunto de temas que formavam grande parte das preocupações das esquerdas e, segundo, pelo proverbial didatismo de Paul Singer.
Depois irá lançar um outro livro com o título parecido, mas já com concepção e estrutura mais próximas de um manual introdutório convencional - absolutamente descartável.
Mas Singer não poderá deixar de ser o que ele é politicamente e teoricamente. O texto é interessantíssimo porque expressa um caminho, uma abordagem POLITICAMENTE ENGAJADA E DETERMINADA: a do marxismo vulgar, a do socialismo pequeno-burguês, a da crítica reformista.
Nada a tirar nem acrescentar à breve nota de Cesar Benjamim em relação ao texto de Singer. Na verdade, menos do que uma vinculação teórica a Paul Singer, na nota trata-se de mais uma expressão de um método que é próprio de uma gigantesca e tradicionalíssima corrente teórica e política, a do socialismo pequeno-burguês, cujos passos essenciais para tratar "criticamente" assuntos de economia são os seguintes:
1. estigmatiza-se a visão da extrema direita sobre qualquer assunto;
2. critica-se os "limites" de uma saída "reformista" formulada por alguma corrente fraca e caricaturada da "socialdemocracia européia" ou tupiniquim;
3. apresenta-se a formulação do socialismo pequeno-burguês, crítica das duas anteriores, como sendo a crítica e superação possíveis e efetivas, por vezes e en passant caricaturando e descartando como exótica ou irresponsável alguma formulação do marxismo revolucionário.
Esse método de abordagem é tremendamente conhecido nas esquerdas em geral.
Por exemplo, toda a crítica do "neoliberalismo" que se fez seguindo à risca esse método, foi um incansável suceder e martelar da tese de que a única superação possível do neoliberalismo, uma vez caricaturado, era aquela apresentada pela regulação keynesiana de esquerda.
Então, para um keynesiano como César Benjamim só há e só pode haver mesmo três soluções para o problema do desemprego:
1. a neoclássica;
2. a keynesiana de centro e de direita; conservadora;
3. a keynesiana de esquerda, que em algumas de suas variantes pode ser travestida nos termos do marxismo vulgar que tanto conhecemos no Brasil e na América Latina através de um balde de vertentes que os próprios Marx, Engels e Lênin caracterizam como socialismo pequeno-burguês; esse é o marxismo, marxismo vulgar ou socialismo pequeno-burguês, que Benjamim digere e defende.
Comentário anterior[4] ao texto de César Benjamim aponta para ingenuidade e para abstração da questão das classes no “Bela solução”. Está totalmente certo. É "ingênuo", pois na verdade em Benjamim só existe ardil reformista; e ele abstrai sistematicamente as classes, o que lhe confere um perfil político à direita dentro do espectro da socialdemocracia ou reformista. Mais uma vez há razão no comentário ao ser indagado que se nem no PSOL (que por sua vez é hegemonizado desde seu nascimento e concepção pelo reformismo vulgar e continuará sendo até o seu final) ele não coube, onde estará Benjamim agora? Ou está só, "em trânsito", ou já terá aportado em algum grupamento político congênere, mas que não se abra a coalizões orgânicas mais à esquerda, como o PSOL tem feito com o PSTU e PCB, p.ex.; vimos na última campanha presidencial que Benjamim teve imensas e insuperáveis contradições, conflitos, com as esquerdas da coalizão que se formou em torno do PSOL.
A única e verdadeira solução ou superação para o desemprego não existe no modo de produção capitalista, mas na sua superação histórica através da única via possível, uma revolução proletária internacional que leve toda a Humanidade a organizar-se sem propriedade privada, sem moeda, sem nações, sem classes, sem Estado, ou seja, no comunismo.
Sabemos que somente no marxismo revolucionário existe a solução teórica. Sabemos que as mais diversas forças sociais exploradas pelo capitalismo só poderão ser revolucionárias, no sentido histórico do termo, sob a liderança firme (e veja que não trata de “bloco histórico” e "sob hegemonia") do partido operário (vanguarda constituída pelo operariado consciente); só assim poderão realmente apresentarem-se como um conjunto de forças capazes de encarnar praticamente esse programa histórico (Marx), o único nas condições concretas atuais. Sabemos exatamente em que consiste a revolução proletária e suas fases segundo os cânones tradicionais do marxismo revolucionário (Marx, Engels). Sabemos que a América Latina, como ramo da futura revolução proletária internacional, atingiu, enfim, um nível de desenvolvimento das forças produtivas que lhe deixa somente a alternativa comunista para a superação das mazelas do modo de produção capitalista que a submete totalmente e irrevogavelmente. Sabemos que na dialética dessa revolução do continente latino-americano o operariado industrial de três países (Argentina, Brasil, México) formarão o grosso da vanguarda revolucionária que se constituirá em partidos operários nacionais e numa internacional já comunista latino-americana. Sabemos que esse horizonte não está em aberto e indefinido no tempo e no espaço; sob os golpes da atual crise este horizonte já pode começar a se aproximar decisivamente da dinâmica política real e concreta, e em assim fazendo começar a pautar concretamente a política atual dentro das esquerdas assim como a política em geral.
César Benjamim sabe de tudo isso porque é “ingênuo”. Talvez não considere mesmo a possibilidade real ou relevante de tal cenário. De qualquer maneira, ingênuo ele não é, e assim deixa em aberto, deixa insinuado, não consuma e não explicita na sua "bela solução" o todo do seu programa econômico estratégico, que, aliás, ele também tem e que conhecemos.
E conhecemos também o método para abordar cada um dos pequenos "cristais" que volta e meia aparecem à tona vindo do conjunto da "jóia" do socialismo pequeno-burguês.
Bem, quem quiser cair nessa, caia. Mas será cada vez mais difícil atribuir essa queda à ingenuidade ou desinformção; será cada vez mais difícil nos tempos a vir esconder ou disfarçar as afinidades.
Ivan J.
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BELA SOLUÇÃOpor Cesar Benjamim
VISTO EM perspectiva histórica, desemprego crônico é uma anomalia. Nenhuma sociedade antiga condenou grupos significativos de seus integrantes a uma existência desprovida de função. No mundo contemporâneo, porém, parte da população não consegue encontrar um lugar social definido. Parece um problema insolúvel, que, com a crise, volta a crescer. Pelo menos três escolas, em economia, abordaram teoricamente a questão. Para os neoclássicos, os fatores de produção (entre eles o trabalho) são usados até o ponto em que o seu custo iguala a sua produtividade marginal (ou seja, a produtividade da última unidade aproveitada). Se há desemprego, então o custo do trabalho está maior que a sua produtividade marginal. É preciso ajustar as duas variáveis. Como a produtividade é relativamente rígida no curto prazo, o ajuste se faz pela redução dos salários. Se pressões políticas ou sindicais impedirem esse movimento, o mercado de trabalho funcionará de forma imperfeita, com desemprego.
Keynes introduz outra abordagem. Demonstra que, no capitalismo, o pleno emprego dos recursos tende a gerar mais bens do que a quantidade que se consegue vender. Os empresários param de produzir (e de contratar) quando a oferta iguala a demanda, pois a partir daí cessa a possibilidade de lucro. Como esse ponto de intercessão é atingido antes do uso de todos os recursos disponíveis, o equilíbrio entre oferta e demanda de bens se estabelece antes de se chegar ao pleno emprego. Por isso, Keynes defende políticas para estimular a demanda e, coerentemente, afirma que a redução dos salários só agrava o problema.
A terceira abordagem é de Karl Marx. Para aumentar a produção de valor, ele diz, o capital precisa comandar parcelas crescentes da capacidade de trabalho da sociedade. Desprovidas de alternativas próprias de sobrevivência, as pessoas devem ingressar nas atividades produtivas controladas pelo capital em troca de um salário. Nessas atividades, porém, o progresso técnico incessante expele cada vez mais gente. Assim, agem juntas duas tendências que têm efeitos contraditórios: uma incorpora trabalhadores à esfera capitalista da atividade econômica, a outra lança trabalhadores na rua. A maioria da população passa a ser assalariada, mas parte dela se torna excedente, em um movimento contínuo. Marx considerou esse "exército industrial de reserva" como um componente estrutural da nova sociedade. Pois, graças a ele, o recrutamento de força de trabalho, necessário nos ciclos expansivos, não fica limitado pela taxa de crescimento vegetativo da população, que é declinante.
Diferentes abordagens, diferentes propostas. A primeira afirma que os mercados se autorregulam e, deixados por sua própria conta, tendem a um ponto de equilíbrio em que a alocação dos recursos, inclusive do trabalho, tende a tornar-se plena. A segunda aponta que o equilíbrio entre oferta e demanda de bens, de um lado, e o pleno emprego, de outro, em geral não coincidem, o que exige políticas voltadas para incrementar a demanda. A terceira diz que, ao atrair e repelir força de trabalho na esfera produtiva, o capitalismo produz uma população excedente que, embora excluída, é funcional para a dinâmica do sistema. Marx teria considerado frágil a terapia keynesiana para o desemprego, pois contra ela continuariam a operar o que chamou de "leis de tendência". Sua solução implicava combinar progresso técnico com diminuição planejada da jornada de trabalho, remetendo a existência humana, cada vez mais, para o mundo da cultura. O homem, dizia, deve aos poucos deixar de fazer o que as máquinas e a natureza podem fazer, para no limite dedicar-se ao que só ele pode fazer, como estudar matemática e compor sinfonias. Bela solução.
*CESAR BENJAMIN* 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
Notas
[1] originalmente em http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/51662
[2] http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/51653
[3] Este livro, editora Forense, é produto de uma reflexão sobre notas do curso dado, em 1968, para estudantes de Ciências Sociais: "Não faltam manuais de introdução à economia, nem ‘marginalistas-keynesianos’, nem marxistas"– escreve Singer – "o que falta, ao que parece, é uma exposição comparativa e crítica das duas correntes". Aborda-se temas principais da Economia Política segundo os enfoques "marginalista-keynesiano" e marxista: Teorias do Valor, Excedente, Acumulação de Capital, Crédito e Emprego, Comércio Internacional e Desenvolvimento Econômico.
[4] vide http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/51659.