quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

- A Economia Política da "CRISE ESTRUTURAL" (orig:26Out06)

Anotações iniciais ao conceito de Mészáros




Ivan J., 26Out06(*)

Sumário

Introdução
1. O lugar da "crise estrutural" de Mészáros
2. Impossibilidade de uma "crise estrutural" na economia política de Marx
3. Crise estrutural desde os anos 70
4. "Crise estrutual" e queda tendencial da taxa de lucro
5. Economia capitalista em acumulação progressiva desde o pós-IIa Guerra
6. Rejuvenescimento do capital e expropriação do trabalhador produtivo
7. Abstrair e/ou relativizar Marx
8. A economia política do conceito de "crise estrutural" de Mészáros
8.1. Limites da luta e das conquistas econômicas
8.2. "Destrutibilidade", barbárie e missão histórica na dialética do capital
9. "Reestruturação produtiva e "desproletarização"
9.1. Linearidade e gradualismo
9.2. Dialética sempre progressiva revolução e contra-revolução: o proletariado na próxima revolução
9.3. Superação da luta econômica em luta política para Mészáros
Conclusão: a permanência e desenvolvimento da centralidade da classe proletária
Addendum
Notas



* * *

Introdução

Trata-se de texto ([1]) preparatório relativo a aspectos e eventuais elementos parciais de um projeto mais amplo relativo à crítica do "paradigma lukacsiano"! Já há algum tempo acumulou-se alguns elementos para uma crítica do socialismo lukacciano, que é o que efetivamente chamamos de "paradigma lukacciano". Trata-se, smj, de uma modalidade de socialismo pequeno-burguês ([2]). Apesar do distanciamento teórico operado em Mészáros e seus seguidores em relação a Lukacs, este afastamento não se deu a ponto de excluirem-se daquele paradigma de base. Agora focamos mais especificamente no conceito de "crise estrutural" em Mészáros ([3]).

1. O lugar da "crise estrutural" de Mészáros

Trata-se de um rápido e inicial comentário sobre a conhecida e básica citação de Mészáros. A citação pertence ao texto "A crise estrutural da política" de István Mészáros.

"...a diferença crucial entre os dois tipos nitidamente contrastantes de crise em questão é o facto de que uma crise periódica ou conjuntural evolui e é mais ou menos resolvida com êxito num determinado enquadramento político, enquanto que a crise fundamental afecta aquele enquadramento em si mesmo na sua totalidade. Por outras palavras, relativamente a um determinado sistema sócio-económico e político estamos a falar acerca da diferença vital entre as mais ou menos frequentes crises na política, por oposição às crises da própria modalidade de política estabelecida, com requisitos qualitativamente diferentes para a sua possível solução. É com estas últimas que estamos hoje preocupados.
Em termos gerais, esta distinção não é simplesmente uma questão da aparente severidade dos tipos de crise contrastantes. Pois uma crise periódica ou conjuntural pode ser dramaticamente severa – como a "Grande Crise Económica Mundial de 1929-1933" acabou por ser – e contudo ser capaz de uma solução dentro dos parâmetros de um determinado sistema. Interpretar incorrectamente a severidade de uma determinada crise conjuntural como se ela fosse uma crise sistémica fundamental, como Estaline e os seus conselheiros fizeram a meio da "Grande Crise Económica Mundial de 1929-1933", está condenado a levar a estratégias erradas e na verdade voluntaristas, como declarar a social-democracia como sendo a "principal inimiga" no início dos anos 30, o que apenas poderia reforçar, como de facto tragicamente aconteceu, as forças de Hitler. E do mesmo modo, mas no sentido oposto, o carácter "não explosivo" de uma crise estrutural prolongada, em contraste com as "tempestades de trovões" (Marx) através das quais crises periódicas de conjuntura podem descarregar-se resolverem-se, pode também conduzir a estratégias fundamentalmente mal concebidas, como resultado da má interpretação da ausência de "trovões" como se a sua ausência fosse a prova esmagadora de uma estabilidade indefinida do "capitalismo organizado" e da "integração da classe trabalhadora". Este tipo de má interpretação, altamente promovida pelos interesses ideológicos dominantes sob a capa de "objectividade científica", tende a reforçar a posição daqueles que representam a aceitação auto-justificante de abordagens reformistas acomodatícias nos institucionalizados – anteriormente genuinamente de oposição – partidos e sindicatos da classe trabalhadora (agora, contudo, "Oposição Oficial a Sua Majestade," como diz o ditado). Mas até entre os críticos comprometidos do sistema capitalista mais profundamente, a mesma má interpretação relativamente à perspectiva indefinidamente livre de crise da ordem estabelecida pode resultar na adopção de uma postura defensiva auto-paralisante, como testemunhámos no movimento socialista nas últimas décadas.
Não pode ser suficientemente sublinhado que a crise da política no nosso tempo não é inteligível sem ser referida ao enquadramento social mais vasto do qual a política é parte integrante. Isto quer dizer que para se poder clarificar a natureza da crise persistente e em aprofundamento da política no mundo hoje devemos focar a nossa atenção na crise do próprio sistema capitalista. Pois a crise do capital que estamos a experimentar – pelo menos desde o início da década de 1970 – é uma crise estrutural universal."([4])

2. Impossibilidade de uma "crise estrutural" na economia política de Marx

Mais leio Mészáros, e seus seguidores no Brasil, e mais sinto falta de dialética, mas também, e principalmente, sinto falta dos elementos fundamentais da economia política marxiana. E no entanto Mészáros, como Lukacs, reivindicam Marx a cada passo ou mediação que formulam. Mas aí criam-se novos conceitos sendo que há conceitos pertinentes em Marx.

O conceito ou noção de "crise estrutural" é totalmente estranho ao arcabouço econômico marxiano, assim como "crise permanente" e etc.

O que existe em Marx, no que toca aos conceitos relacionados, é a tendência à queda da taxa de lucro, o ciclo econômico (e as respectivas fases do seu desenrolar), as crises parciais e a crise geral. A crise geral é universal e não poderia ser diferente, resguardados os níveis de subversão dos modos de produção pré-capitalistas (seu aspecto civilizatório) que o capital tenha logrado alcançar no momento histórico da crise. Ou seja, a crise geral ou universal do capital é aquela de todo o universo submetido ao modo de produção capitalista, nada mais!

Vemos aí uma aparente "ingenuidade" de Mészáros de que "crises cíclicas" sugerem "estabilidades cíclicas"([5]). Certamente há algo mais. Não é o lugar para entrar no mérito em si dos conceitos de "reestruturação produtiva" e de "precarização". Isso para não adentrarmos na esfera política e "sociológica" do arcabouço de Mészáros e seus seguidores, o que será feito em seguida ainda que de modo sumário e introdutório.

3. Crise estrutural desde os anos 70

Por outro lado, uma crise 'estrutural' que perdura desde os anos 70 é algo completamente fora de qualquer evidência empírica. Será que Mészáros estaria fazendo alusão à "queda tendencial da taxa de lucro" e chamando a isso de crise "estrutural"? Ele estaria chamando uma tendência de crise? Mas aí a crise deveria começar nos anos 50 e não nos 70 pois a taxa de lucro global, na sucessão dos ciclos, vêm com evidente tendência de queda.

Porquê será que Marx tanto estudou os ciclos, os quais ele dizia serem de 10 anos no seu tempo, a sua história, sua hipercomplexa matemática, seus modelos e fundamentos ([6])?

No plano conceitual, de fato, nada há de novo ou inovador, ou mesmo que mereça ser inovado, no atual Reino da Dinamarca!

4. "Crise estrutural" e queda tendencial da taxa de lucro

Agora, porque Mészáros insiste tanto numa "crise estrutural" que perdura aí desde os anos 70? O referencial não pode ser na sua essência econômico! O nível de abstração a que as crises se referem e pertencem ([7]).

Além disso, uma "crise estrutural" que coloca uma crise permanente, uma estagnação "qualitativa" ou seja o que valha depois dos 70 é algo totalmente estranho para a economia política marxiana.

Mészáros aí confunde crise com queda tendencial da taxa de lucro. Aliás não é só ele. É importante frisar que a queda da taxa de lucro ([8]) não significa necessariamente crise. Ela se dá numa economia progressiva, na acumulação ampliada do capital. E de fato, as estatísticas globais demonstram ad nauseum, que a taxa de lucro vem caindo tendencialmente desde os primeiros anos do pós-IIa Guerra.

Mas não podemos dizer de modo algum que a economia mundial e o capital estão em crise, ou mesmo estagnada, ou mesmo "qualitativamente" anacrônica, desde lá. Ou então Mészáros talvez devesse dizer que em vez de estar em "crise estrutural" desde os anos 70, o capital está em crise "estrutural" desde os anos 50 - e ainda assim estaria errado.

5. Economia capitalista em acumulação progressiva desde o pós-IIa Guerra

O capital está em acumulação progressiva desde o pós-IIa Guerra. O PIB nacional e global está em expansão quantitativa e qualitativa desde lá, até hoje, inclusive no Brasil. O capital ocupou e industrializou a periferia do sistema alterando-a definitivamente, fazendo com que suas partes signficativas se transformassem de economias agrárias para urbanas e industriais. Nunca houve proletarização em geral e também criação do proletariado moderno, industrial, como nesse período. Então se não houve contra-revolução tão longa e poderosa como esta que verificou-se após a IIa Guerra Mundial, também não houve ampliação e criação de condições para uma revolução especificamente proletária como em todo esse período, inclusive hoje.

Porém as taxas de expansão do PIB vão caindo no longo prazo, expressando a tendência da queda tendencial da taxa de lucro geral do sistema. Este é o ser do capital e isto está em total acordo com a teoria econômica de Marx.

6. Rejuvenescimento do capital e expropriação do trabalhador produtivo

O capital luta contra essa tendência? Claro. E é por ter êxito em sua luta que ele permanece. Sua luta, em termos essenciais, é uma só: aumentar o grau de exploração da classe produtiva, o proletariado, o trabalhador assalariado dos setores produtivos - indústria (inclusa a agricultura capitalista), transportes e armazenamento (estes dois últimos setores equivalem ao que hoje chamamos de logística). Aliás, o capital luta como sempre lutou, sempre fazendo suas "reestruturações produtivas" que sempre derivaram em "precarizações".

Dê-se a esses grandes 'pacotes' de inovação e de expropriação o nome de "fordismo", "toyotismo", de "volvismo", de "informatização", "robotização" e etc...., de Ia, IIa, IIIa ou enésima Revolução Industrial, na essência não há absolutamente nada de novo em termos teóricos: trata-se dos procedimentos clássicos já devidamente teorizados por Marx em sua época, em sua obra O Capital. Não há nenhuma nova forma essencial desse processo hoje que já não tenha sido tratada na sua essência em Marx, inclusive no Livro I.

7. Abstrair e/ou relativizar Marx

Agora, é impressionante a capacidade de abstração da obra de Marx que se opera na economia política contemporânea. Alguns autores dessa filiação mészáriana e da "reestruturação produtiva" em geral, como as da escola da regulação, não vão conseguir abstrair, simplesmente pelo expediente de ignorar ou omitir, que Marx tratou de todos esses assuntos. E se Marx tratou desses assuntos, evidentemente ele "viu" tudo isso, se não empiricamente então teoricamente - ver teoricamente era uma capacidade em que Marx era exímio, daí antecipava os desdobramentos do capital, e daí temos suas previsões econômicas de longo prazo todas infalíveis - inclusive a revolução proletária. Mas o que esses autores fazem em função dessa constatação de que Marx tratou de tudo isso? Só resta um argumento: Marx não viu o "quanto" e a "intensidade" com que esse processos de "reestruturação produtiva" e seus corolários na "precarização" ocorreriam nos dias de hoje! O argumento absolutamente anacrônico e eclético é o de que as economias que Marx observou na sua época eram economias operárias, a grande massa era operária. Hoje não.

Para Marx essas sucessivas "reestruturações" do capital e a "precarização" apenas reforçavam o papel quantitativo e qualitativo do proletariado como protagonista da revolução, tendo no seu núcleo duro o operariado dos setores de industriais de ponta.

8. A economia política do conceito de "crise estrutural" de Mészáros

8.1. Limites da luta e das conquistas econômicas

Tudo relativo à "crise estrutural" está voltado no seu trabalho para "explicar" a debacle do movimento sindical nos moldes da social-democracia do pós-guerra! Toda a Europa Ocidental, USA, alguns países periféricos fizeram a luta econômica num contexto de avanço da mais-valia relativa que possibilitou grandes conquistas econômicas para a classe.

O período todo do pós-IIa Guerra não foi um período de "avanço" para a classe trabalhadora, mas um período de contra-revolução em escala mundial em que ao proletariado restou lutar para preservar a sua cesta. Foi plenamente possível ao capital, pois que faz parte da dialética da extração da mais-valia absoluta, negociar a pauta econômica, mediante luta essencialmente econômica da classe trabalhadora. Conquistas foram feitas em todos os elementos da pauta econômica: a redução da jornada, o aumento não do salário real (pois este é em valor para a teoria marxiana) mas em valores de uso (este que a economia política pequeno-burguesa, vigente, chama equivocadamente de salário real), níveis inferiores de intensidade do trabalho.
Mas, como dizia Marx, estas conquistas da classe trabalhadora são importantíssimas, mas estão dentro da positividade do sistema ([9]). São efêmeras, não se perpetuam!

8.2. "Destrutibilidade", barbárie e missão histórica na dialética do capital

E quando o sistema se entrega, como sempre, às suas próprias leis, realizando-as, vêm uma série de "qualificações" a respeito da "destrutibilidade" do capital, sua não "progressividade" e etc. O mal compreendido papel "civilizatório" e a "barbárie" do capital enseja um julgamento humanista do capital, ético, que nada tem a ver com a sua análise histórica. A dimensão civilizadora do capital e sua barbarie inerente caminham juntas, formam uma unidade dialética desde o advento da primeira relação capitalista de produção!

O capital não se entrega à barbárie a partir de um determinado momento. Ele tem uma missão histórica que é levar sua civilização e sua barbárie para todo o mundo. É quando se forma o mercado mundial que ele já cumpriu historicamente sua função - e é exatamente aí que o proletariado moderno, industrial, a anuncia (1848)! A partir daí "a revolução do proletariado moderno é possível"! Então mais o capital civiliza o mundo nos seus desdobramentos históricos, mais ele leva a sua barbárie inerente a todos os cantos do globo, mais a revolução torna-se um fato inevitável. A cada tentativa internacional do proletariado vê-se uma progressão: 1848, 1871, 1917!

Na próxima tentativa, que se seguirá após o mais longo período de contra-revolução já visto, o proletariado não perderá!

9. "Reestruturação produtiva e "desproletarização"

O capital sempre está fazendo suas "reestruturações produtivas", o capital está sempre "precarizando". Nenhum dos mecanismos e instrumentos da chamada reestruturação produtiva e seus corolários em termos da assim chamada precarização do trabalho deixaram de ser estudados por Marx em O Capital. Através de suas sucessivas "reestruturações" e "precarizações", o que o capital não faz é "desproletarizar" ([10]), termo extranho à conceituação marxiana que encontro aqui e acolá nas formulações que vêm do referencial de Mészáros. Entende-se "desproletarização" como "diminuição do operariado industrial tradicional e aumento da classe-que-vive-do-seu-trabalho" ([11]). É assim que ocorre a "desproletarização", ou seja, com o surgimento de uma nova categoria social, uma nova classe. Não poderia ser diferente pois terá seus corolários políticos ([12]).

9.1. Linearidade e gradualismo

Assim, exatamente quando o capital, segundo o seu ser, ataca com todas as suas armas e expropria o trabalhador direto, o operário, e expande o trabalhador coletivo, o proletário internacional numa escala nunca dantes vista, em Mészáros é como se ele não devesse ter feito isso! É como se fosse uma regressão para a "barbárie"! O capital então tornou-se mal além de limites, os aspectos de "barbárie" se sobrepujaram aos "civilizatórios"! Isso não "deveria" ser assim. O capital não mais se "legitima"! Na verdade, para o socialismo revolucionário o capital não é mais "legítimo" historicamente desde 1848 quando o proletariado revolucionário, constituído em partido revolucionário pela primeira vez na história da humanidade finalmente apresenta um plano completo ([13]) para emancipação para toda a espécie: a revolução comunista.

9.2. Dialética sempre progressiva revolução e contra-revolução: o proletariado na próxima revolução

Mas é exatamente esse o ser do capital, nesse longo período de contra-revolução, que realizando todas as potencialidades de sua vitória sobre o proletariado na última revolução (1917-23...?) reduzindo o trabalhador, o proletário, para o seu único e exclusivo destino: não há conquistas eternas face ao capital, não há negociações estratégicas para "aumentar o controle social do capital", só há revolução proletária, expropriação total da classe burguesa, o fim da propriedade privada em escala internacional.

Para expropriar o trabalhador, mais o capital proletarizou. O proletariado mundial nunca foi tão numeroso, tão mais de acordo com o seu conceito puro: trabalhador que vende sua força de trabalho, trabalhador sem reservas ([14]). Nunca o proletariado foi potencialmente tão capaz do protagonismo revolucionário.

9.3. Superação da luta econômica em luta política para Mészáros

Minha chave de leitura de Mészáros e seus seguidores é essa: ele confunde as lutas econômicas decorridas no "longo sono do proletariado" (Marx) com avanços lineares na direção do socialismo. A superação das lutas econômicas em lutas políticas do proletariado, em Mészáros, se dá no quadro do socialismo reformista. Aí fica patente então quais são os contornos do que Mészáros compreende por socialismo.

A crítica que Mészáros e seus seguidores fazem ao comportamento dos sindicalistas é frágil, fraco. Para ele, a luta econômica é um passo para o socialismo, para o progressivo controle social do capital pela classe trabalhadora. É como se na luta econômica a classe fosse classe para si, ou tornando-se classe para si, uma progressão linear de luta e consciência de classe, junto com aumento progressivo dos "controles sociais" sobre o capital! O partido da classe emana das lutas econômicas e são uma extensão dessas, para dar curso a estas, para canalizar e potenciar essas lutas e realizá-las na política, nas outras relações que se estabelecem com o estado capitalista, ou com o "Estado" simplesmente. Para ele, o movimento para a política, para a superação do assim chamado 'economismo', é a luta política institucional - e se caso as instituições vigentes não forem suficientemente abertas para assimilar e dar curso à atuação política da classe, então violência, o que ele chama de revolução. Ele vê então a mudança de governo, a mudança de regime, como revolução.

Uma comuna de Paris ou o governo e o estado bolchevique seriam progressões lineares e decorrências.

Mészáros tenta situar-se mais à esquerda da social-democracia e de lá ele crítica o restante do espectro reformista à sua direita.

Conclusão: a permanência e desenvolvimento da centralidade da classe proletária

Para os autores da "precarização", o processo leva gradativamente à "desproletarização" e consequentemente a um "enfraquecimento" se não absoluto, relativo do protagonismo revolucionário. Isso quer dizer que mesmo continuando a existir no sistema, mesmo sendo importante, o proletariado e o operariado vão progressivamente diminuindo e diluindo-se num campo mais geral dos "explorados". Lógico, como marxistas, estes autores não vão falar em povo, inibem-se pois toda a "sociologia" de Marx é para afirmar a falta de estatuto ontológico da categoria ou conceito de "povo". Mas é por um triz, às vezes falam explicitamente através da adjetivação corrente de "popular" ou "populares". Porém, com inibição ou não, teoricamente já se trata de povo como agente relevante para todos os efeitos, mesmo que seja uma forma mais "generosa" do operariado liderar os "outros setores sociais" ou "populares". De qualquer forma, para o que interessa tudo aponta e desemboca num "partido socialista" de cunho popular e num "governo popular".

É ler com calma a produção de todo esse pessoal, a qual se distribui num espectro político amplo que vai da esquerda, passa pelo centro e chega naquela coisinha amorfa que é uma direita da esquerda ou esquerda da direita, e constatar essas teses gerais que dissolvem ou diluem a CENTRALIDADE ABSOLUTA DA CLASSE PROLETÁRIA.



* * *
Addendum
É necessário tratar a questão das crises em níveis de abstração e mesmo de processos diferentes.
A primeira coisa é a noção de CRISE ESTRUTURAL de Mészáros que ele desdobra em CRISE ESTRUTUAL UNIVERSAL e CRISE ESTRUTURAL DA POLÍTICA. No fundamental, não há crise estrutural, como quer Mészáros, no modo de produção capitalista nem empiricamente e nem teoricamente se procurarmos uma referência em Marx.

Há, de um lado, o capital movendo-se dentro de suas contradições e potencialidades, expropriando o mundo inteiro, ocupando-o. De onde o capital retira sua força? De um único lugar: a exploração cada vez mais intensiva da força de trabalho global, do trabalhador coletivo. Ele só o faz na medida em que introduz tecnologia a uma velocidade cada vez maior. Cabe aqui um parêntesis: a inovação tecnológica sob o modo de produção capitalista é uma anã se compararmos com o que será na sociedade futura, sem classes, comunista, quando não havendo contradição entre o homem e o homem, e entre o homem e a natureza, a inovação tecnológica será harmônica, sempre também poupadora de trabalho. Mas à parte esse interregno 'tecnológico', o capital lutando contra suas próprias contradições para manter-se em expansão constante (a figura da bicicleta, equilíbrio instável e dinâmico: se parar cai).

A acumulação do capital tem um ponto de partida: sempre após uma grande crise, uma grande guerra, uma grande catástrofe, se as forças capitalistas venceram, o capital retoma. É o caso da IIa Guerra Mundial. O capital global venceu. A partir daí pode crescer, expandir-se sobre os derrotados, fossem eles as frações derrotadas da burguesia mundial, fossem eles o proletariado mundial. Nesse sentido, ABRIU-SE UM CAMPO IMENSO PARA A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, campo este que foi ampliado pela própria acumulação. O capital "civilizou", ou melhor civilizou todos os continentes, instalou-se como pressuposto da reprodução material da humanidade em todos os recôndidos do mundo. Mas ele fez isso segundo seu próprio conceito, sua natureza, suas contradições, e sabemos quais são suas contradições (C/V e M/C+V). Isto determina uma TENDÊNCIA À QUEDA DA TAXA DE LUCRO. Esta tendência está em todas as estatísticas do período: o lucro vem caindo no longo prazo.

Porém, um outro fenômeno vem no pacote dessa expansão magnífica do capital: a vida útil média dos equipamentos e instalações dos setores de ponta do caital vai diminuindo, abreviando-se. Isso faz com que sua utilização cada vez mais intensiva e a obsolecência tecnológica cada vez mais intensa exijam a sua substituição, reposição, em períodos cada vez mais curtos. Isso determina o CICLO, pelo menos o ciclo na acepção marxiana do termo. Não há CICLO DE LONGO PRAZO. Há o ciclo determinado pela produção do capital, no interior dos seus elementos constitutivos. No caso, o elemento fundamental determinante do ciclo é o CAPITAL FIXO (instalação e instrumentos de produção). Curto e grosso, este ciclo na época de Marx era decenal, hoje está entre 5 e 6 anos, sendo que alguns nos USA falam mesmo em 4 anos!

Pronto! É disso que eu estava falando no comentário anterior sobre aquela citação de Mészáros trazida por você.

Agora eu posso prosseguir em direção aos elementos que vc traz no seu comentário e questionamento abaixo.
Em função dessas dialéticas interiores do capital que o fazem fugir para a frente, fugir de si mesmo, ele caminha para o esgotamento de suas possibilidades. O que significa isso? Simplesmente que, por um lado ele chega a um nível de COMPOSIÇÃO ORGÂNICA (C/V) tal, que vai se coagulando progressivamente, a cada novo ciclo em que se relança a acumulação.
Na minha opinião, o capital prepara-se e aproxima-se de uma época de esgotamento. Este esgotamento do capital é o esgotamento do campo que ele abriu e expandiu após a IIa Guerra Mundial. É o esgotamento do ordenamento que ele estabeleceu, modificou, mas não transformou essencialmente no decorrer desse período. É o esgotamento dos padrões culturais civilizatórios sobre os quais o capital estabeleceu uma rede de necessidades globais, expandiu-a, modificou-a, aprofundou-a, mas tudo isso sem sair dela, realizou-a.

Com isso, pela confluência e otimização de todas essas dialéticas, a ordem capitalista do pós-IIa Guerra Mundial está se esgotando, está percorrendo os últimos espaços de suas possibilidades. A catástrofe do dia a dia do capital não é nada comparada com a catástrofe bélica e ambiental que o capital irá oferecer e tentar impor à humanidade. A IIIa Guerra Mundial será uma guerra diante da qual as anteriores parecerão verdadeiros piqueniques. Terá um efeito destrutivo como nunca se viu. Destruirá não só países, mas continentes inteiros. Destruirá massas populacionais que não será difícil contar nas centenas e centenas de milhões.

Até lá o capital não incorporará as massas populares da Thailandia no super-consumo das classes médias que são e sempre foram um gueto cultural e econômico. Até lá, ao contrário, o capital explorando as últimas possibilidades para sua expansão, cada vez mais dificultosa, irá EXCLUIR, como se diz na economia política pequeno-burguesa, embora Marx também tenha utilizado esse termo - claro que exclusão para Marx não tem nada a ver com a "exclusão" ou a "inclusão" na acepção pequeno-burguesa reformista.
Agora, quais os cenários para um eventual pós-IIIa Guerra Mundial?

Três grandes cenários:

a) destruição da humanidade e dos fundamentos da economia mundial na sua quase totalidade, instalando logo após um caos medonho e mortal para os que sobreviverem, e subsequente reconstrução das condições básicas da vida humana mas que muito provavelmente se dará nos moldes mercantís que posteriormente e inevitavelmente se desdobrará em relações e instituições capitalistas; isso levará, após algum tempo que poderíamos medir em séculos (1 ou 2 séculos), a repor a questão das guerras globais, uma IVa Guerra Mundial;
b) o capital destrói o mundo, a si mesmo e a humanidade mas num nível em que ele redesenha o sistema de poder mundial, estabelece um novo padrão cultural de consumo, e lança-se rejuvenescido para uma nova era capitalista, como foi o caso do pós-1848, o pós-1914/45, e será o pós-20??; certamente não estaremos mais andando de automóveis; as megaurbes capitalistas serão verticais; talvez iniciemos a colonização da Lua.... sei lá! O futurologismo é hoje um campo de reflexão muito interessante; neste caso uma IVa Guerra Mundial será para muito breve, muito mais próxima da IIIa;
c) a IIIa Guerra Mundial e a crise que dela decorre coloca a possibilidade efetiva de uma Revolução Comunista Internacional e o proletariado internacional vence; aí acabou o jogo para sempre; não mais propriedade privada, não mais nações, não mais classes, não mais moeda ou mercadoria, não mais capital, só o homem e a natureza... e cabem aí muito mais futurologias do que nos dois mega-cenários anteriores.
Então não há na conceituação em Mészáros os elementos fundamentais que contemplem esse processo de crise geral do capital (pois para ele já estamos no interior de uma "crise estrutural"), assim como os cenários e possibilidades que dela decorrem e que se abrem para a continuidade do modo de produção capitalista e também para a sua definitiva superação; essa limitação do arcabouço mészáriano deve-se a uma razão básica: os componentes do socialismo mészáriano não contemplam a ruptura radical, realmente progressiva, com o sistema da mercadoria, do valor e da propriedade privada, assim como não vê o único agente social da revolução capaz de abolir definitivamente as bases da produção do valor e da existência das classes. Não há, a meu ver, do ponto de vista teórico, efetiva superação do modo de produção capitalista no arcabouço mészáriano.
Agora, se o capital irá recuperar-se dessa próxima crise cíclica que poderá precipitar-se de vez nos próximos meses? Claro que sim! Ele a superará pois tem todas as condições de prolongar mais alguns anos ou décadas a sua reprodução dentro da atual ordem global. Teremos mais alguns ciclos antes que o capital realmente esgote suas possibilidades.
Seria interessante confrontar as matérias escritas em meados dos anos 70 sobre o esgotamento dos recursos não renováveis, sobre o meio ambiente e etc...; as matérias atuais devem ser xérox daquelas; a contradição entre o capital e o meio ambiente é uma constante e está em progressão; não é nessa dimensão, no entanto, que o capital encontra seu limite absoluto e que o leva a uma crise geral, catastrófica. E não é o ambientalismo que nos dará o argumento decisivo para a revolução, nem os ambientalistas serão o agente decisivo dessa revolução necessária.
Os ambientalistas para salvar o meio ambiente de sua transformação e destruição progressiva pelo capital terão que assumir a perspectiva de luta proletária em toda a sua natureza, essência, meios e desdobramentos - mas aí trata-se de uma outra história.
Após termos falado de cenários tão amplos, tão futurológicos, tocando a ficção histórica, eu espero bastante dessa próxima crise cíclica que poderá desabar nos próximos meses, no sentido de possibilitar inversões importantes nas dialéticas interiores à classe proletária e ao seu núcleo duro o operariado das indústrias de ponta do sistema - principalmente no Brasil; já escreví sobre isso bastante aqui na ESKUERRA.

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Notas


* ivan1871@hotmail.com
[1] Não revisado - texto para discussão restrita do meu mailing pessoal. Não autorizado para divulgação.
[2] Tentativa de assimilação ao conceito de socialismo-pequeno burguês próprio de Marx.
[3] Este texto, especificamente, foi motivado inicialmente por uma rápida troca de mensagens na lista Eskuerra, de onde copiamos a citação supra de Mészáros. Romeu Sierra escreveu: "Para combater a direita é preciso defender uma postura de esquerda - Editorial do Opinião Socialista 279.." (...) "... Virá uma nova crise cíclica, o que significa mais desemprego e arrocho salarial." Ao que comentou Luiz Carlos: "Prezado Sierra, acho que a expressão "crise cíclica"também acabará desempregada. E lendo o que diz István Mészáros, talvez... mais cedo. [ ]s Luiz Carlos, in http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/37740.
[4] MÉSZÁROS, István. A crise estrutural da política. Disponível in http://www.resistir.info/meszaros/crise_estrutural_da_politica.html
[5] Ver Luis Carlos em http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/37741
[6] MARX, K. O Capital. Livro I, II e III
[7] Acho que, embora seja muito trabalhoso, é possível demonstrar que ele na verdade entrou num beco sem saída teórico.
[8] MARX, K. O Capital. Livro III, Cap. XIII.
[9] vide MARX, K. Salário, Preço e Lucro.
[10] Ver ANTUNES. R. Trabalho, reestruturação produtiva e algumas repercussões no sindicalismo brasileiro. in ANTUNES, R. (org) Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestruturação produtiva no Brasil e na Inglaterra. 2a ed., São Paulo, Boitempo, 2002.
[11] ANTUNES, op.cit. pg. 73.
[12] Não sendo o lugar para aprofundar esse ponto, cabe anotar que a confusão em termos teóricos aí está exatemente no conceito de proletário e de operário, mas não só, também no conceito de relações capitalistas de produção.
[13] Manifesto.
[14] Manifesto.



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