quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

- A Questão Tibetana (orig:01Mai08)


Da mistificação corrente à constituição histórica do proletariado mundial
por Ivan J., 01Maio08
O processo civilizatório do capital no Tibet[1], ou seja, sua recente onda de proletarização, se deu sob o encargo da China. O Tibet constituiu-se em Nação exatamente nessas últimas décadas de processo civilizatório acelerado e, enquanto nação, está colonizado pela China. Hoje o Tibet está objetivamente se constituindo numa economia nacional, totalmente atrelada e dependente de seu vizinho, a China.

O que constitui uma nação, historicamente, é o aprofundamento da divisão mercantil do trabalho, o aprofundamento do processo de expropriação no campo e na cidade. O Tibet lamista era agrário, uma economia de subsistência, sem mercado interno digno do nome (vide Lênin, Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia). Se o novo estado nacional despótico será, no geral, uma "monarquia absolutista" ou um "colonizador" na verdade pouco importa. Porém, no caso do Tibet sua ascensão à sociedade de classes moderna, ao capitalismo, estava totalmente travada pelo anacronismo lamista. A violência enquanto parteira da história elegeu o algoz para o Tibet: a China.

A China, de acordo com o seu ser capitalista em constituição e desenvolvimento (pós-1949), colonizou o Tibet, amordaçou seu povo e suas lideranças, então essencialmente feudais e mercantis, mas só viabilizou ao longo do tempo esse intento porque, além da repressão, "modernizou" sua estrutura econômica e social; em suma, proletarizou, expropriou, criou um incipiente proletariado urbano.

Essa intervenção "progressista", civilizatória da China, acelerou-se muito com o fechamento do período maoísta propriamente dito, desde 1984. Desse modo, talvez a guisa de insight inicial, o colonialismo chinês no Tibet poderia ser periodizado em três grandes períodos:
a) da intervenção chinesa inicial até a fuga do Dalai Lama;
b) da fuga do Dalai Lama até meados dos anos 1980;
c) de meados dos anos 1980 até os dias atuais.

O bucólico Tibet lamista está, então, definitivamente enterrado, e a história, sempre com seus algozes de plantão, o fez sem honras, deixando, além das lágrimas e corpos dos expropriados, com certeza muitas lamúrias nostálgicas diante da idealização daquelas cordilheiras cujos paupérrimos casebres estão sempre "mais pertinho do céu". O ser que habita boa parte daqueles então bucólicos casebres, choupanas, hoje são verdadeiros favelados de um exército de proletários e semi-proletários urbanos e de um exército industrial de reserva em formação. Uma pesquisa acurada vai com certeza demonstrar essa evolução.

O que temos no Tibet hoje é, a plenos pulmões, a Questão Nacional combinada com uma resistência de morte face ao processo de proletarização que se acelera, ou seja, face ao processo de expropriação do trabalhador direto pré-capitalista ainda ligado à terra, ao artesanato, ao pequeno-comércio e ao comércio e serviços indigentes urbanos. O Tibet já é, enfim, uma nação; definiu-se enquanto tal nesse processo civiliza tório trágico e intenso dos últimos 30 anos; mas é hoje uma nação colonizada pela China.

O "povo" tibetano que vemos manifestar-se no exílio, nas ruas de Lhasa, não mais se compõe socialmente apenas de "súditos feudais" da elite lamista. O Tibet adquiriu ao longo desta intervenção chinesa uma estrutura social mais complexa, mais dinâmica: um determinado nível de proletarização, muito acelerada recentemente, ocorreu e vem ocorrendo. Ao lado de um proletariado urbano na construção civil (inclusive infra-estrutura urbana e da logística nacional), indústria de móveis e utensílios simples, confecção leve, alimentícios e etc, temos já a inexorável produção de uma camada proletária e semi-proletária constituindo o Exército Industrial de Reserva em meio à indigência e um setor de serviços marginais inchado. Com certeza temos irreversivelmente já um segmento semi-proletário no campo; a pequena-burguesia urbana certamente se diversificou; ou seja, nada mais é naquela jovem nação como nos é trazido pelas bucólicas imagens de "Sete anos no Tibet".

Há hoje um outro Tibet.

O proletariado no Tibet, por enquanto, tendo já socialmente emergido, não é de modo algum desenvolvido, nem economicamente, nem socialmente e muito menos politicamente. Qualquer possibilidade de sua emergência política como classe para si só se dará no quadro de uma revolução proletária, liderada pelo operariado industrial moderno, na China; isto só ocorrerá no quadro de um ascenso proletário mundial - aliás um quadro não tão distante assim, como os reformistas de todo jaez gostariam que estivesse.

Não há paralelo político possível hoje entre o quadro da guerrilha maoísta no Nepal e o movimento popular no Tibet pelo menos por um fator determinante: no Nepal não está colocada a Questão Nacional, no Tibet ela é a questão.

Toda vez que a Questão Nacional se coloca efetivamente numa economia atrasadíssima como o Tibet (e não podemos confundi-la com qualquer simulacro nacionalista mistificador nos moldes do "anti-imperialismo", moeda facílima nas esquerdas oportunistas da América Latina), o proletariado pequeno e pouco desenvolvido, juntamente com o vasto semi-proletariado, se amalgamam nas lutas populares e sua distinção própria pouco aflora.

Em meio a esse "caldo de cultura popular", em mudança acelerada e que está apenas nos seus momentos iniciais a histérica, pseudo-humanista, reformista e oportunista pequena burguesia global americana e européia, os imperialismos norte-americano e europeu, o colonialismo-imperialismo chinês, o neolamismo, todos se alvoroçam e assumem a "persona" dos movimentos.
O infeliz movimento social popular no Tibet luta desesperadamente contra a opressão colonialista chinesa, em meio a uma confusão total.

A luta se exacerba agora pela "oportunidade" das Olimpíadas, mas muito mais pelo violento arrocho das condições de vida, pela inflação chinesa, pela fome e desemprego que começam a desabar sobre a China toda, e também sobre suas colônias. Este nada mais é do que um episódio da atual crise cíclica global e figurará para sempre nos seus anais.

Enquanto isso, Dalais Lamas, Budas Mulheres[2], perfeitos representantes do oportunismo das elites tibetanas, fazem, cada um segundo seu ser e estilo, exatamente o mesmo: mistificam um movimento social que de si mesmo não consegue, ainda, fazer emergir uma consciência nacional revolucionária efetiva.

A China, leia-se seu estado capitalista, não concederá de modo algum a independência nacional à nação tibetana, mesmo porque não há força externa, e ainda não há força interna que possa alterar sua diretriz para o Tibet.

A única esperança de uma aliança profícua para a independência tibetana, mas que será a um só tempo o soar das trombetas para uma revolução socialista naquele país, é o proletariado, semi-proletariado e campesina to pobre do Tibet aliar-se com a liderança operária moderna da China. Mas isso significa que para a independência nacional do Tibet, ou seja, para a potencialização do seu movimento nacional revolucionário, só há uma alternativa histórica: a constituição do proletariado chinês em classe para si.

Isto quer dizer que a atual luta popular no Tibet será inglória? Não, claro. Isto significa que será inglória a luta dos lutadores tibetanos que não tiverem a perspectiva ampla de todo o processo histórico em que estão envolvidos; conquanto seja esse mesmo processo histórico agora os fazem lutar desesperadamente pelas suas vidas, tenham consciência ou não.

Essa potencialização qualitativa dos movimentos populares no Tibet ainda é futuro; mas é neste futuro, e somente nele, que existe alguma chance verdadeira para o Tibet como nação, que então será independente e, passo seguinte, inexoravelmente socialista.

Por ora, a bandeira rota do lamismo, na verdade do neolamismo, é a que tremula, e é mesmo sua vez de tremular. O anacronismo de seu nacionalismo bucólico está superado; e seu atual nacionalismo burguês e pequeno-burguês globalizado será também superado, quiçá mais breve do que imaginemos, pelo ascenso do movimento operário internacional e tudo o que esse ascenso trará naquela região.

Então, para um Primeiro de Maio Proletário, Revolucionário, temos essa grande notícia: temos classe proletária no Tibet! A ela, como aos proletários de todo o mundo (inclusive USA), o prato de comida da próxima refeição será negado! Sem ilusões... a união dos proletários revolucionários de todo o mundo é a única saída para a crise do capital, o único portal para a emancipação da Humanidade seja do Tibet, mas também de Paris, Frankfurt, Chicago, Buenos Aires, México, Pequim, Tókio, Cairo, Jerusalém, Moscou, Londres, Sidnei, Lagos, Lima, Joanesburgo, Bombaim, El Alto, Caracas, (...); o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, a proletarização hiper-moderna, já não exclui nenhuma grande cidade mundial; e o que falar da nossa hiper-megalópole o Macro-eixo Rio-São Paulo? O proletariado moderno, o seu núcleo duro operário já está objetivamente aí no mundo! Ele é mais do que suficiente para uma belíssima revolução proletária mundial, uma encarnação prática e efetiva do marxismo revolucionário! Basta que se una, e ele, o proletariado internacional o fará num futuro bem mais próximo do que desejariam a burguesia e sua assecla, a pequena-burguesia de esquerda!
Notas

[1] Esta é uma breve anotação sobre a questão Tibetana, comemorativa do 1 de Maio de 2008. Está longe de ser uma reflexão com base num estudo e investigação sistemáticos sobre a situação econômica, social e política daquele país.
[2] Temos a seguir um exemplo das intrigas e querelas entre os grupos de interesse dominantes nas elites tibetanas:
“Contraponto: Buda mulher condena o Dalai Lama por crise no Tibet - Ter, 29 Abr, 02h06
PEQUIM (Reuters) - A única Buda viva no Tibet, que também é uma importante autoridade regional, disse estar chateada e irritada com as revoltas ocorridas em Lhasa no mês passado e acusou o Dalai Lama de violar os ensinamentos budistas, segundo a mídia estatal chinesa.
A décima segunda Samding Dorje Phagmo afirmou que, desde que foi incorporado pela China comunista, o Tibet não é mais uma atrasada sociedade feudal, repleta de servos analfabetos com pouco acesso a tratamento médico.
"O velho Tibet era sombrio e cruel, a vida dos servos era pior do que a do gado e dos cavalos", disse ela à agência de notícias estatal Xinhua, em uma entrevista publicada na terça-feira.
Nascida em 1942, ela foi escolhida como reencarnação da divindade Vajravarahi aos cinco anos. Agora chefe do monastério de Samding, ela também é vice-chefe do comitê do Congresso Regional do Povo Tibetano Autônomo, o parlamento regional.
Ela estava em Pequim para um encontro com o corpo consultivo do parlamento, quando as lutas irromperam em Lhasa, no dia 14 de março, depois de dias de protestos liderados por monges.
"Fiquei surpresa ao assistir na televisão pessoas inescrupulosas queimando e destruindo lojas, escolas e propriedades públicas, exibindo armas e porretes para atacar transeuntes desafortunados. Meu coração ficou profundamente partido, com ressentimento indignado", disse ela em uma entrevista em Lhasa.
A China acusa o Dalai Lama, líder espiritual tibetano, de ter orquestrado a revolta para atrapalhar as Olimpíadas de Pequim e pressionar pela independência.
"Os pecados do Dalai Lama e de seus seguidores violam seriamente os ensinamentos e preceitos básicos do budismo e prejudicam a ordem normal e a boa reputação do budismo tibetano", disse Samding Dorje Phagmo, segundo a mídia local --embora ela não tenha detalhado quais foram as transgressões.
O Dalai Lama nega as acusações chinesas, dizendo apoiar as Olimpíadas e querer apenas maior autonomia para o Tibet.
Na semana passada, Pequim ofereceu diálogo com os representantes de Dalai Lama, depois de a comunidade internacional ter pressionado por isso. Mas a mídia estatal continua a criticar ao Dalai Lama e ao Tibet na época em que era governado por ele.
(Reportagem de Emma Graham-Harrison)”

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