terça-feira, 30 de dezembro de 2008

- A crise do capital, os fundos soberamos 13Dez07

Comentário a texto de Rui Falcão

por Ivan J., 13Dez07

Trata-se de um comentário geral[1] sobre o texto "O Fantasma do Patriotismo Financeiro Ronda a Globalização, de Rui Falcão"[2]. A vitória é sempre da dialética, da história e, last but not least, do proletariado. Veja no texto o desespero de Angela Merkel e veja também o desespero da China, o que o texto não vê, mas é a realidade. Trata-se de uma somatória de desesperos, cada um com seu fundo virtual, fundos que dentro em breve virarão, todos, pó... digo, dígitos vazios pois tudo é virtual! O autor, Rui Falcão, tem uma concepção muito estreita para sequer assinalar essa eventualidade de caráter geral. Prefere, já que toma um partido muito claro na celeuma, como a avestruz diante de perigo iminente, enterrar a cabeça nas formas aparentes – não ver um cataclisma universal, já que abalará todo o universo da produção do valor, inclusive o dos interesses e perspectivas por ele defendidos.

Uma boa leitura do texto evidencia que o tom que o autor tenta ocultar é menos triunfante do que preocupadíssimo: afinal, olham-se nos olhos os socialistas burgueses e a direita burguesa em pânico e procuram encontrar um no outro o culpado para a situação global desesperadora, acusando-se mutuamente, restringindo o universo das possibilidades para algo dentro deles mesmos - o que em si é um modo subreptício de afirmarem-se como protagonistas únicos da realidade do movimento do valor. Vemos que aceitar os termos da abordagem é em si uma armadilha.

Por outro lado, segundo avalio, não se pode cair na armadilha da perspectiva e das questões propostas pelo autor que é a da busca de sensos comuns, de áreas de consenso; ao contrário, avalio que estamos em época de discernir em profundidade as diferenças essenciais da natureza constituidora das diferentes forças sociais, assim com entre os seus respectivos programas históricos e táticos; não se trataria então da época de juntar forças a partir de uma visão consensual, com base num referencial teórico-ideológico inter-classes que minimize e relativize as diferenças. O proletariado, mais do que nunca, precisa da sua identidade própria, pré-requisito, o qual não é o único, para que se constitua em classe para si.
Então, primeiro, trata-se do "comunismo disfarçado sob o capitalismo" (Engels) muito bem salientado no intróito de Romaxxi[3], ou seja, do "socialismo burguês" (Manifesto e outros).
Esse procedimiento de criticar o liberalismo e o neoliberalismo é por demais tendencioso e parcial, pois deixa de revelar o alcance da crise que se avizinha. Na verdade, é a tentativa dos socialistas burgueses e pequeno burgueses de apresentarem-se como alternativa de poder – mas no âmbito do poder do capital.
Por isso MARX é sábio. Nunca em sua economia política se trata das divisões ou redivisões da MAIS-VALIA quando o assunto é a crise e o limite histórico do modo de produção. Sempre, o seu ponto de vista econômico é o do CAPITAL SOCIAL, e é somente a partir do momento em que todas as questões estão tratadas e compreendidas a partir do capital social que pode-se voltar e enquadrar os seus diferentes aspectos particulares. Com efeito, quando falamos em queda tendencial da taxa de lucro, consideramos M/C+V do ponto de vista do CAPITAL TOTAL, ou seja, de todo o CAPITAL SOCIAL. Esse é o procedimento radical de MARX, constituindo a base radical do socialismo proletário.
Daí temos a razão profundamente teórica para o radicalismo da abordagem dos acontecimentos econômicos a partir da economia política do proletariado – resulta a sua consequente aversão às ilusões burguesas e pequeno-burguesas de tentar acomodar as contradições do capital, que no fundo são essenciais, em diferentes esquemas e estratagemas que se resumem a redivisão da mais-valia. Vem dessa abordagem radical uma série de certezas:
a) a crise revolucionária advém de uma crise econômica muito especial, que nenhuma redivisão da mais-valia social pode contemplar e, portanto, superar;
b) as medidas para retirar a Humanidade desta crise, que a ameaça no seu ser mesmo, são e só podem ser não "anti-capitalistas", mas anti-capitalistas revolucionárias, proletárias - hoje falarmos genericamente em "anti-capitalismo" é o mesmo que não falar coisa alguma, há que especificar, explicitar totalmente, o que faremos nos seus grande traços mais adiante;
c) a radicalização teórica da pequena-burguesia vai sempre, enquanto processo fluente, numa linha vacilante entre a burguesia e o proletariado; mas, em última instância, se a pequena-burguesia chega ao poder do Estado, irá a partir daí numa única e exclusiva direção: a do CAPITAL, a da BURGUESIA, será a representante da BURGUESIA e de seus interesses essenciais, históricos, no poder; por vezes a pequena-burguesia no poder poderá inclusive exercer uma ditadura contra a própria burguesia contingente, mas sempre, essencialmente, em prol das necessidades prementes do capital no momento;
d) mesmo quando o proletariado tenha assumido revolucionariamente o poder, isso se dará em circunstâncias concretas, reais; vários são os cenários que se abrem como possibilidades, incluindo desde um exercício absolutamente solitário do poder, até o exercício compartilhado com outros setores da sociedade, outras classes ou segmentos de classes; segundo seu ser, o proletariado em todas essas situações estará pronto para fazer implementar suas medidas próprias num ou outro grau de pureza segundo a correlação de forças; uma coisa é clara, em qualquer das circunstâncias em que o PROLETARIADO REVOLUCIONÁRIO chega ao poder, NAS CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS ATUAIS: ele é a única força social e política capaz de conceber e implementar as medidas concretas que farão com que a Humanidade sobreviva à crise catastrófica do capital; claro que quando cogitamos nos diferentes cenários que o proletariado galgue o poder revolucionário, ele o faz enquanto classe para si, ele o faz nucleado pelo operariado industrial, organizado em seu partido de classe com seu programa revolucionário, isto é, o proletariado atual autonomamente segundo seus próprios interesses de classe.
Por isso, uma vez no poder, o proletariado tem seu próprio método para conceber e implementar as medidas de salvação, que são ao mesmo tempo medidas de transição - isso nenhuma força política da sociedade capitalista, seja ela o socialismo burguês ou o pequeno-burguês, é capaz de realizar – a razão profunda dessa impossibilidade, que é contextual, momentânea, mas não menos vital para a humanidade, é o que cumpre compreender, pois é aí que o proletariado, com seu programa de classe específico, se coloca como única alternativa para a salvação da Humanidade. É interessante, nesse sentido, sempre analisar e voltar a analisar o caso do que Lênin chamou de "ditadura democrática do proletariado e do campesinato" na Rússia revolucionária. Um detalhe interessante para reflexão: a aliança entre o proletariado e o campesinato pobre nunca foi política, mas sim econômica, social e militar. Um detalhe correlato interessante: nas condições da Rússia de então, os socialistas revolucionários (o partido por assim dizer orgânico do campesinato) nunca foi e nem seria capaz de conceber e implementar as medidas específicas no interesse da classe que representavam! Isso foi verificado na prática, nos fatos – os socialistas revolucionários estavam nos governos pós-fevereiro de 1917, especificamente no de Kerensnki. Somente o proletariado revolucionário foi capaz de implementar as bandeiras da classe camponesa pobre, e exatamente daí tirava o apoio e a legitimidade dessa classe aliada para o exercício exclusivo do poder. Interessante, como esta dialética está longe das concepções de alianças políticas que hoje vemos nas esquerdas e até no campo revolucionário!
A perspectiva do socialismo burguês e do socialismo pequeno-burguês sempre é a de redividir a mais-valia, ou de uma forma ou de outra. Vide por exemplo David Ricardo, burguês, com a questão da renda fundiária, o que deu ensejo aos ricardeanos de esquerda; mas vide também Sismondi - quase um paradigma perfeito para o socialismo burguês, que alimentou e alimenta muitos traços decisivos do socialismo pequeno-burguês. Vide também os casos de Proudhon, Lassalle, Duhring - para ficarmos no período clássico dos embates do socialismo revolucionário.
Quando a taxa de lucro, vista na relação marxiana acima,desaba, não é o sacrifício de uma ou outra de suas partes que irá salvar o conjunto: ela cai para todo o capital social. Por isso a teoria de Marx é radical; o socialismo burguês, assim como o socialismo pequeno-burguês, não podem nela se acomodar - expulsam-na do consenso e são por ela expulsas da revolução.
A partir daí a questão passa a ser a determinação ao nível da previsão, relativamente ao futuro das lutas proletárias e do contexto econômico que leva à radicalização dessas lutas. Trata-se de especificação histórica da próxima intervenção do proletariado revolucionário. Trata-se do exercício vital da previsão revolucionária.
Por outro lado, algumas questões muito básicas sempre se colocam para contrastar devidamente os interesses últimos da classe proletária.
- O proletariado luta, p.ex., para uma aplicação maior de recursos no desenvolvimento da periferia do sistema, por uma distribuição mais justa e mais equânime da renda mundial?
- O proletariado luta, p.ex., para uma diminuição dos ganhos do capital fictício, especulativo, para canalizar recursos para a esfera produtiva, para o capital produtivo?
- O proletariado luta, p.ex., para uma participação maior e digna nos processos decisórios estratégicos das organizações e dos fóruns mundiais?
- O proletariado luta, p.ex., para ser protagônico na elaboração e implementação das políticas econômicas e sociais dos governos e das organizações multigovernamentais?
- O socialismo proletário coloca de modo "propositivo" alguma destas questões acima?

Vemos que o autor do artigo analisado está preocupado, tentando vender o advento do renascimento, rejuvenescimento, reabilitação do ESTADO NACIONAL, como se esta fosse a grande vitória dos tempos sobre o liberalismo ou neoliberalismo até então hegemônico. Essa é apenas uma espécie muito estreita de "vitória", ou seja, trata-se do inter-jogo em que uma das alas das classes dominantes consegue uma reviravolta sobre outra da mesma espécie. Esse rodízio no poder, na “hegemonia”, reincide em vários momentos alternantes na história do capital, a rigor faz parte dessa mesma história, do seu fluir. Esse cenário específico de recrudescimento do nacionalismo tanto de direita, mas principalmente na modalidade dos nacionalismos de esquerda, já foi previsto pela teoria e pela cenarização feitas pela esquerda revolucionária, ou pelo menos por parte dela, exatamente aquela parte que conseguiu permanecer circunscrita aos escritos e ensinamentos de Marx, Engels, Lênin, Rosa, ou seja, circunscrita à letra e ao espírito dos cânones do socialismo proletário, do marxismo revolucionário.

Para nós, num sentido mais amplo, a disjuntiva GUERRA OU REVOLUÇÃO não pode mesmo vir de outro lugar que não o do recrudescimento mortal do nacionalismo – e esse é o divisor de águas final, terminal para a luta de classes. Os socialismos burguês e pequeno burguês irão acenar inevitavelmente com a bandeira da pátria para o proletariado, isso para demovê-lo do internacionalismo revolucionário, única opção verdadeiramente socialista quando o proletariado apresenta-se como classe para si. A pátria é a última trincheira e a mais forte à disposição dos reacionários e do reformismo em geral.

Estamos num tempo interessante. Temos os divisores de água clássicos já sendo reapresentados na recente sucessão de conjunturas dos últimos anos, e isso nunca de forma inédita - a história do proletariado já tem catalogado todo o menu possível e imaginável de "bandeiras" que os socialismos concorrentes, e inimigos, irão utilizar para combater o protagonismo revolucionário exclusivo do proletariado. Nada há de novo e nem haverá nesse campo. Para ilustrar isso temos a movimentação política frenética das esquerdas na América Latina atual.
Por exemplo, o BANCO DO SUL. Nem é preciso discorrer em detalhe sobre esse tema, se partimos do referencial revolucionário marxista nos moldes exercitados acima. De qualquer modo, sem esgotarmos a matéria, teríamos algumas questões didáticas e até ingênuas a respeito; apresentamos juntamente as proto-respostas, dado que sem justificativa constam apenas como hipóteses lacônicas, por enquanto:
a) o BANCO DO SUL é algo que vem no interesse revolucionário do proletariado?
R - Não.

b) o BANCO DO SUL é algo que vem no sentido do desenvolvimento DECISIVO das forças produtivas na América do Sul?
R - Não.

c) o BANCO DO SUL é um formato que o proletariado no poder, no âmbito continental, implementaria?
R - Não.

Das preocupações principais, a menos decisiva hoje reside na discussão que se trava entre as diferentes formatações do socialismo proletário, de lado, com as diferentes formatações do socialismo pequeno-burguês de outro. Preocupa, e muitíssimo mais, a vulnerabilidade no interior do espectro do socialismo proletário, a sua vulnerabilidade para defender o protagonismo revolucionário do proletariado, sua diluição, sua delegação de iniciativas teóricas e práticas para as lideranças do socialismo burguês e pequeno-burguês. Documentados os fatos práticos da prática corrente das esquerdas do campo revolucionário, no jogo político atual, teremos um farto material para reflexão a respeito dessa vulnerabilidade, sua morfologia e, antes de mais nada, a respeito dos fatores históricos, econômicos e sociais que determinam inexoravelmente essa situação, assim como determinará, em breve, a sua reversão.

Do modo como esta crise cíclica vem se apresentando, e tenho acompanhado o seu desenvolvimento quotidiano em detalhe, ela tem tudo para configurar uma INFLEXÃO de grande importância em que as diferentes arquiteturas de redivisão da mais-valia estão em fase de esgotamento, ou seja, estamos diante do espetáculo do esgotamento e impotência crescente das arquiteturas keynesianas, social-democratas, socialistas reformistas, socialistas desenvolvimentistas, populistas (no sentido da economia política russa do final do XIX). Dialeticamente, é exatamente da observação e da análise crítica desse processo que será possível elaborar gradativamente o PROGRAMA de intervenção do socialismo revolucionário, que deverá superá-lo qualitativamente - assim é a dialética.

O que, afinal, o proletariado terá a dizer de si mesmo, concretamente e praticamente, como ser social “revolucionário até o fim” diante de todos esses esgotamentos históricos de seus inimigos de classe? Uma coisa sabemos: o proletariado revolucionário é a única força social e política capaz de salvar a Humanidade da catástrofe terminal do capital, catástrofe a vir.
Notas

[1] Numa primeira versão em http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/46402 e numa segunda versão parcialmente revisada em http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/46406.
[2] Para os comentários de Romaxxi e o texto de Rui Falcão, vide originalmente em http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/46402.
[3] Vide http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/46402.

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