quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

- Marx, crise global e revolução proletária 15Out08



por Ivan J., 15Out08
Sumário

Introdução
I - Marx, crise global e a revolução proletária
II - Crise e Fascismo
III - Crises, seus Mecanismos e Mistificação
IV - As "concordâncias" com Marx

Introdução

Constitui este um retorno à instigação de um companheiro feita há alguns dias na lista Aroeira para que eu tratasse do texto do Fiori (espírito forte da social-democracia local). Mas Fiori é um objeto en passant de interesse - claro. Fiori é na verdade um "suporte" contingente para o objeto que nos interessa a todos: a crise atual e a classe!

Então, estamos em festa! A crise atual nos confirma definitivamente, cabalmente! Não só pelo econômico, mas principalmente pelo político. A classe existe, e existe enquanto tal, como ser histórico, ou seja, como classe revolucionária até o fim, a única!

Todos os anos de terrível resistência, contra tudo, contra todos e na solidão agora vêem finalmente confirmados os princípios "sagrados" que sempre o “13 de Maio” como coletividade defendeu - sem dogmatismo, mas com total firmeza.

O "13" é um dos patrimônios vivos, muito vivo, da resistência teórica da classe.
Tudo está documentado nessa trajetória preciosa, tudo está socializado: sua concepção, estratégia e práxis, tudo está materializado concretamente em uma comunidade de centenas de companheiros, monitores, pelo Brasil a fora, uma comunidade. Não se trata, claro, de uma organização, mas se trata de um coletivo aberto, com uma sintonia aberta e ampla para o campo revolucionário.

Vinculei-me formalmente ao “13” bem recentemente, sou um "trezóide" fresquinho, fresquinho, embora não tenha o “13” como interlocutor exclusivo, e lá tenho elaborado e testado teoricamente as "previsões" e os quadros de referência desde 2003, smj. Foram inúmeros FNMs (Fórum Nacional de Monitores), foram Jornadas de Julho (frias fora, quentíssimas dentro), foram viagens por todo o nosso Brasil proletário. Inúmeros os novos irmãos e irmãs que adquiri nesses anos.

Além do Emarx-sp, estou agora, também, no movimento sindical (ASS).
Os que acompanharam meu percurso teórico e político até agora testemunharam e partilharam muitas mudanças - mas sempre em torno do mesmo pivô teórico e político: MARX, CENTRALIDADE DA CLASSE, REVOLUÇÃO PROLETÁRIA CLÁSSICA NA AL. Tudo documentado numa infinidade de emails, textos. Eu vinha de um ceticismo inicial relativamente aos sindicatos em geral - avanço teórico e a própria crise econômica confluíram. A CENTRALIDADE DA CLASSE foi a conceituação-MÃE que possibilitou essa refacção teórica, o fil rouge! Foram muitos e muitos pontos teóricos que explorei e dos quais consegui alguma formatação durante todo esse período.

Por outro lado, os cenários geopolíticos e geoeconômicos, elaborados inicialmente desde 1998 foram sendo lapidados, transformados, expostos e discutidos.... e, enfim, confirmados.
A crise atual irá fazer o proletariado mundial, e o operariado industrial moderno em particular, re-emergir. Isso acontecerá como processo caótico inicialmente, como explosões, por trás das quais estarão se desenvolvendo lutas intestinas na política interior da classe. Essa é a dialética da classe.

Estou achando que Mauro Iasi tem razão na distinção que faz de classe para si, digamos "1", e classe para si, digamos "2" - agradeço à sugestão dele. São os comunistas no seu interior que a fazem ascender de "1" para "2". A classe para si "1" é a emergência espontânea de organizações por local de trabalho, comissões de fábrica, sindicatos, de um lado, e de organizações comunitárias, organizações que politicamente podem ser, e em geral são nessa fase, até conservadoras, se bem que teoricamente sabemos (MARX) a ideologia que predomina nessa fase, tanto no movimento proletário como no operário, é mesmo a burguesa e no máximo a pequeno-burguesa. Mas não são os comunistas em si o único fator, ou fator suficiente para realizar essa passagem de "1" para "2"; há aí uma complexa e dramática dialética de lutas da classe contra o capital e seus aliados, de um lado, e, de outro, a necessidade objetiva nesse processo que a classe necessariamente terá da teoria e do programa do marxismo revolucionário. Só os comunistas são capazes de elaborar um plano político e econômico para a revolução, ou seja, para que o proletariado realize o seu ser contra o capital e reafirmando a espécie humana.

Duro e longo é o caminho, glorioso o objetivo, definitiva a vitória da classe!

Marx sempre Marx!

I - Marx, crise global e a revolução proletária


A vitória da teoria das crises de Marx é total neste episódio da crise econômica[1].

E vão se sucedendo as tentativas de banalizar a crise cíclica e o que ela irá inexoravelmente produzir. Há um texto de FIORI, "O mito do colapso americano", que está rolando pelas listas a fora[2]. O subtítulo, por um insight meu, poderia muito bem ser "senta que o leão é manso!"
Fiori é no fundo um wallersteiniano. Fiori, smj, critica, ou tem certos senões quanto a Wallerstein e Arrighi. Estes, por sua vez, vêm de uma tradição braudeliana. O ecletismo é funesto, na medida em que tenta, claro, fazer uso de conceitos marxistas. Fiori, critica seus mentores, mas não sai do paradigma, exatamente como o fizeram Meszárós e Chasin que, por sua vez, criticaram Luckacs e nunca deixaram de ser luckacsianos. Trata-se de divergências no interior do mesmo!
Fiori tem uma tese central, e fez todo o seu trabalho com base nela: o próximo século será dos USA! Claro, ele festejou como nunca o vaticínio certeiro de Conceição Tavares que, no auge do domínio econômico do Japão, no final dos anos 80, havia previsto a volta da hegemonia norte-americana. Conceição, em 1998 ou 99, em um seminário do PT em Cajamar, sobre os cenários econômicos globais que deveriam pautar as estratégias do partido que iria em breve chegar ao poder, afirmava que os USA estavam fincando as bases para um domínio global de 400 anos. Moral da história, parafraseando hipoteticamente: "PT e movimentos, relaxem, negociem, resistam, mas não adiantará muito, pois os USA irão 'tratorar' a América Latina com seu projeto de integração econômica, a ALCA!" Bem, sabemos o resultado desta previsão!

Mas Fiori continua na mesmíssima tecla. Seu artigo é uma sucessão de suposições que contrariam todos os fatos a respeito de como a saúde dos USA interessam aos seus parceiros-concorrentes. É uma lógica absolutamente primária, linear e funcionalista, totalmente funcionalista. Isso quer dizer que tudo converge pela manutenção pura e simples do status quo, as contradições jamais atingirão o paroxismo e a consequente ruptura, pois, pela graça de Deus convergirão novamente pela manutenção do sistema tal qual. Seria fácil apresentar o argumento histórico de que a ordem econômica mundial, com base na Inglaterra, colapsou, rompeu e cedeu seu lugar à atual ordem mundial hegemonizada pelos USA. Qual a seria uma hipotética resposta de Fiori, que além de wallersteiniano é também kaleckiano, ou keynesiano, o que significa o mesmo? No conjunto das suas suposições reside uma alma keynesiana, a fé indestrutível no estado, no "emprestador em última instância" que a rigor, na sua versão keynesiana, supostamente inédita na sua essência. Claro, para Fiori, a Inglaterra no exercício da sua hegemonia global não teria o "Estado keynesiano". O argumento é fragilíssimo: basta ver a polêmica de Marx a respeito da política monetária do Banco da Inglaterra nos anos 1840, e podemos ver que toda a discussão já estava integralmente presente lá, e até antes segundo o histórico que o próprio Marx nos dá numa série de artigos a respeito; isso para não falar na tese central da "demanda efetiva", que na origem é de Malthus - o resto nesse campo é pura refacção teórica. A economia política burguesa acaba em Ricardo. Malthus, para Marx é o ápice do que ele chamou de "economia vulgar".

Assim, Fiori vem para o lugar comum econômico do saldo de todas as crises, aliás na tentativa de banalizar a sua importância histórica: ela levará a uma maior centralização do capital e a um recurso ao Estado para fomentar, coordenar e regular o capital social. E tudo dito numa abordagem tediosa, sonolenta, para quem não há novidades, e quem vê isso há muito tempo, e que a atual crise está na lógica da TRANSIÇÃO DENTRO DO MESMO, dentro da máxima integralmente a-histórica wallersteiniana/braudeliana, que em Fiori é ainda mais "ortodoxa", pois o império norte-americano está, com crise ou sem crise, apenas reafirmando o que reza a teleologia cósmica braudeliana/wallersteiniana. Não há, claro, lugar para RUPTURAS! Nem para luta de classes como portal para uma possível superação revolucionária da atual ordem.

Ele elenca do modo mais bisonho os argumentos de que sequer uma mudança de eixo na hegemonia mundial é possível.

Claro que a banalização da crise vem bem ao gosto do socialismo reformista, socialismo pequeno-burguês. A economia política pequeno-burguesa sempre se coloca como "alternativa de poder" para sanear, moralizar, recuperar o capital, logo após um período de extrema orgia. Essa é exatamente a função da pequena-burguesia, ser a consciência crítica do capital, patrocinando o retorno salvador do Estado regulador dos mercados. E o Estado salvará o sistema, como "sempre" o fez, claro, desde o advento de Keynes.

Agora admite-se a "seriedade", até certo tempo surpreendente da crise, mas "senta que o leão é manso": a crise tem "solução". Basta que esta ferramenta essencialmente neutra que é o Estado tenha a comandá-la uma coalizão, um "bloco histórico", benigno! Então, na ordem do dia está a tarefa do reformismo em salientar a "seriedade" da crise, mas dentro do limite exato que leva à culpabilidade do "neoliberalismo". Então, demoniza-se o neoliberalismo, a era neoliberal que tantos infortúnios trouxe aos povos, e patrocina-se o seu féretro com uma "nova administração", ou seja, a “padaria” é boa, o que estragava o negócio era a péssima gerência anterior! A perspectiva toda é a-dialética, a-histórica e extremamente e essencialmente reacionária.

Claro que é reacionária, profundamente, porque estamos exatamente no momento em que o projeto pequeno-burguês terá como um de seus interlocutores o movimento operário. As águas irão a partir de agora dividir-se para não mais juntarem-se. A reemergência do operariado, núcleo duro do proletariado, com seu projeto próprio, sua própria estratégia para a superação da crise a partir da superação histórica do modo de produção capitalista, irá polarizar, na exata medida de seu ressurgimento e consolidação, todas as lutas. Capital e seus aliados de um lado, proletários e os setores sociais por ele liderados de outro.

Qual a visão da economia política dos trabalhadores em relação à crise atual? Ela se encaixa num encadeamento de crises cíclicas industriais (Marx), que, numa tendência de longo prazo, tendem a tornarem-se mais e mais destrutivas. Esta crise em particular tem a potencialidade de transformar-se de recessão, a mais grave desde o "double dip" de 1979-82, numa depressão, que não será nem local, como foi a do Japão na década de 90 até 2003, nem soft. Será global e poderá ser equiparável ou mesmo maior que a de 1930.

Esta crise não alterará substancialmente a ordem econômica mundial, matriz geoeconômica e geopolítica que possibilitou e reforçou-se desde que foi estabelecida após a IIa Guerra Mundial. Essa ordem mundial já passou por grandes transformações, mas seu fundamento é a centralidade dos USA e de sua moeda, o dólar. Esta crise não é a crise que levará essa ordem à sua terminalidade. Sabemos que o fim do dólar e da hegemonia norte-americana só encontrará sua terminalidade quando emergir concretamente a alternativa: Guerra Mundial ou Revolução Mundial! Com base nos cânones do marxismo revolucionário não se coloca o fim do dólar, o fim do domínio norte-americano no bojo dessa crise.

O cenário de guerra mundial, embora esta seja praticamente inevitável até 1920 pelo menos, como já trouxemos inúmeras vezes em nossas cenarizações estratégicas desde 2003, em várias oportunidades, este cenário ainda não está totalmente pronto para os próximos anos. Isso não quer dizer absolutamente que ele seja impossível antes de 1920 (ano redondo para simplificar); bem ao contrário. Mas ainda creio ser altamente improvável que algo aconteça nesse sentido nos próximos anos - os acontecimentos na geopolítica mundial, a construção e consolidação das coalizões que finalmente irão duelar pelo controle do mundo, por uma nova partilha global, está sendo monitorada no seu detalhe, procurando-se inclusive vislumbrar a reinserção estratégica da América Latina e do Brasil nas duas coalizões globais que ora se estruturam.

Esta crise cíclica, que de uma gravíssima recessão tem a potencialidade de tornar-se depressão, tudo indica, não será ainda a crise chamada, impropriamente, de "crise final"! Assim como a crise de 30 não foi a crise final, e nenhuma outra o foi. Não porque a revolução, enfim, não venceu definitivamente a burguesia global. Mas porque mesmo durante as guerras os ciclos continuaram a se suceder (vide anais dos Quatro Primeiros Congressos da IC - os únicos congressos revolucionários da IIIa Internacional).

Há possibilidade do colapso dos mercados? Claro. Vimos isso na Argentina em 2001-2, estamos vendo essa perspectiva, como em 1929, em plena vigência do estado keynesiano, o estado que teria superado para todo o sempre a possibilidade do colapso! Está tudo documentado nos anais da economia política burguesa, pequeno-burguesa, na imprensa especializada e nos documentos de partidos de esquerda e extrema-esquerda, de movimentos populares e etc; quem “soterrou” para “sempre” as crises catastróficas, derivou desse “soterramento” um solo magnífico para as estratégias de pactuação com o capital e com o seu estado, estratégias do "possível"! Claro, tudo muda e, diante dos “fatos”, então "mudamos nós"! Essa é a máxima do oportunismo hoje, a certeza de que pelo menos no nível do discurso “eu deixarei de ser o agente do oportunismo” assim que o proletariado efetivamente reaparecer como força social e política "viável"! Enquanto ele não vêm, só resta o oportunismo inteligente, consequente, ético e humanista; claro, não podemos esquecer, que existem o populismo áulico-elitista e o popular, o que dá margem para muita divergência, polêmica, dentro do mesmo! A história da economia política prática e teórica irá fazer esse balanço exaustivo, apurar exaustivamente quem disse o que, fez o que, onde e quando!

Seja o que for, os homens mudam, têm direito de mudar. O maior exemplo benigno, em minha opinião, foi Trotsky, que de virtualmente menchevik tornou-se um dos dois maiores bolcheviks já dentro da Revolução Russa, sendo o mentor e o comandante do glorioso Exército Vermelho. Os maiores exemplos malignos, em minha opinião, foram Kautsky e Stalin. Se acompanharmos a biografia política e teórica de ambos, não será difícil percebermos sinais maléficos cada vez mais claros em suas obras e práticas de antes da conversão aberta e definitiva para a reação, para a contra-revolução.

Como não é possível mais negar ou abstrair a crise global nem que se queira, como ela era negada até o primeiro semestre de 2008, agora a tarefa do reformismo é banalizá-la, vendê-la como gerenciável, atribuir culpa aos culpados de sempre, o “neoliberalismo”. A crise é "óbvia"! Mas só agora!

Esta crise relançará inevitavelmente o operariado mundial na luta, irá colocá-lo em movimentação aberta contra o capital. O argumento "empírico" de que nas outras crises desde os anos 1970 o operariado foi passivo, crescentemente passivo, não procede. Em particular para o operariado brasileiro; após os anos áureos após as chamadas "Greves do ABC" no final dos anos 70 e início dos 80, ele reagiu passivamente aos ataques do capital, ao desemprego; será então uma "novidade" a reemergência agora do movimento operário, que a rigor já iniciou-se em 2008. Quem está acompanhando e vendo o clima dos companheiros na fábrica, nas assembléias de porta de fábrica, o afinco e firmeza com que se lançaram à luta em vários setores da indústria de ponta, tem uma amostra muito pequena do que está por vir. E virá.

O ataque do capital, ao que tudo está a indicar, será enfrentado ativamente pelo operariado. Veremos esse ataque do capital ser enfrentado pela classe também no que chamamos de política comunitária, em que os mecanismos de domínio indireto da burguesia com as extensões locais informais do aparelho de Estado irão ser alvo da luta de classe. Lutas pela auto-determinação das comunidades proletárias serão ferozes no plano local. O Estado institucionalizado pouco ou nada poderá fazer nessa luta capilar - o proletariado sairá vencedor nesse plano. No âmbito da luta nos locais de trabalho, os instrumentos de domínio do capital sobre o trabalhador através do peleguismo serão também objeto de uma feroz luta intestina. A luta de classes irá, então, recrudescer tanto entre a burguesia contra o proletariado, assim como no interior do movimento popular comunitário e no interior do movimento operário. É nessas lutas que a classe forjará, EXPONTANEAMENTE como dizia Marx, Engels e Lênin, os instrumentos econômicos e sociais de sua auto-organização. Concomitantemente a luta que irá forjando o partido de classe, o partido operário, novo partido operário, dar-se-á no âmbito da política operária. A luta aí dentro será entre as correntes e concepções proletárias revolucionárias e as correntes e concepções pequeno-burguesas. Sempre foi assim? Sim, sempre foi assim! Durante as vidas de Marx, Engels, Rosa, Lênin sempre foi assim. É da anatomia do capital e de suas classes. É da anatomia complexa do proletariado. Essa é a politização da classe no interior da sua práxis.

O proletariado vê essa crise atual no interior de uma totalidade histórica, ou seja, como a confirmação de sua própria existência como classe produtiva e, portanto, a única revolucionária até o fim; vê a confirmação de sua própria existência histórica, dotada de uma teoria e de um programa histórico, os únicos que podem conduzir à superação do modo de produção capitalista; essa crise atual confirma-se como o momento em que o recrudescimento das lutas irá lançar a classe em seu processo interior inicial de politização, auto-organização e unificação internacional, para um enfrentamento com o capital que irá desenvolver-se, mesmo que não linearmente, mas que terá sua fase final de amadurecimento dentro de alguns anos, uma década ou pouco mais.
É pouquíssimo tempo para uma preparação do núcleo duro do operariado dos setores mais modernos da indústria!

É pouquíssimo tempo para dar conta do inventário histórico das lutas da classe e para dar conta da desfiguração teórica por que passou a teoria da classe; é pouquíssimo tempo também para formular um plano de lutas e de intervenção econômica, política e social que levará à conquista do poder, à estruturação do respectivo instrumento político de poder, plano que conduzirá as sociedades para um período de transição. Trata-se de um mega-plano que exigirá uma clareza teórica e uma firmeza política com base na CENTRALIDADE DA CLASSE!

São muitos os desafios, mas o marco histórico certamente será essa crise, ela irá marcar uma inflexão brutal nas lutas que a classe terá que travar para sua sobrevivência. Essa inflexão irá, por outro lado, dialeticamente, forçar a uma auto-organização que nos seus estágios superiores gerará os conselhos por locais de trabalho e por locais de moradia, que paralelamente irá politizar crescentemente o movimento operário até chegar à formação de um partido de classe. Em todos esses processos que envolverão massas humanas estupendas e que também se desenrolarão com intensidade dramática no núcleo da classe, ou seja, o operariado dos setores de ponta, os comunistas com base no marxismo revolucionário estarão atuando no interior da classe, sem formar movimentos à parte (Manifesto).

II - Crise e Fascismo

Interessa particularmente um dos pontos sempre mencionados em épocas de crise e ameaça de radicalização das tensões sociais: a questão do fascismo[3]. Interessa avaliar essa arquitetura política específica de reação ao assalto revolucionário, com seu dispositivo de repressão que desata após uma eventual derrota política e militar da classe, logo após a tentativa de assalto ao poder pela classe trabalhadora.

O fascismo é inseparável, a meu ver, de um processo específico de politização e auto-organização das classes médias e, de outro lado, da impotência política da burguesia devida à inanição do próprio processo de acumulação do capital.

As classes médias assalariadas, a aristocracia operária, as burguesias, os rentistas irão, cada um dos segmentos em separado, ou em coalizões momentâneas, ou mesmo mais ou menos estáveis e permanentes, apresentar seus projetos de solução para a crise, para a catástrofe do capital.

No fascismo e no nacional-socialismo é vital o componente pequeno-burguês e a própria pequena-burguesia para configurá-lo como fenômeno de massas. Ela, sabemos, é uma classe que vacila pela sua própria natureza. Se não se alinhou junto às forças proletárias revolucionárias, o que se dá incondicionalmente para as economias capitalistas maduras, então ela irá perfilar-se necessariamente no interior da coalizão burguesa, reacionária, contra-revolucionária; estando lá, nada mais poderá ser feito com ela, apenas contra ela – este é o meio para fazê-la balançar novamente. São complexos fatores históricos que irão determinar de que lado o grosso da pequena-burguesia estará na hora da revolução.

A democracia nunca se consolida, é uma mistificação a idéia ou o intento de "consolidá-la", já dizia Marx. Consolidar a democracia significa concretamente a consolidação da democracia burguesa. O pressuposto para a vigência da democracia burguesa é a "normalidade" da acumulação capitalista. Sabemos que isso é impossível: as crises catastróficas são uma certeza e é nelas que a instabilidade das instituições acontece e se agrava.

O que temos de fato, nos fatos mesmos, ou é a democracia burguesa (ditadura do capital) ou a democracia proletária (ditadura do proletariado) - Marx. Em países muito atrasados economicamente, com um proletariado quantitativamente pouco expressivo, ainda assim é possível uma ditadura revolucionária que será nesse caso uma ditadura "democrática" com o proletariado dirigindo outras classes oprimidas pelo capital, como no caso da Rússia, onde o proletariado industrial moderno dirigiu uma aliança (somente econômica) com o campesinato pobre.

A democracia pequeno-burguesa, tomada em si mesma, é sempre, quando implantada de fato, a democracia do capital, reduz-se a ela. Só existe como ideário específico quando fora do poder. Não há mesmo uma "democracia em geral", uma "democracia" como princípio universal!

O proletariado irá lutar de qualquer modo, pois a isso será instado pela realidade da crise, que é inevitável no percurso da acumulação capitalista. O melhor para o proletariado é a vigência da REPÚBLICA, se possível com a vigência também das liberdades democráticas, ou seja, tudo o que facilite sua auto-organização, sua expressão para o conjunto da população e para si mesmo enquanto classe. O método de luta na vigência das instituições democráticas burguesas inclui o parlamentarismo revolucionário, a luta econômica e etc. É na democracia burguesa que o terreno é o mais favorável para levar polarização radical e ao confronto do proletariado com a burguesia.

Todos revolucionários sabem, o que é o b-a-ba do marxismo, que a plena vigência da democracia burguesa não é condição sine-qua-non para a revolução proletária, mesmo porque estaríamos diante de uma contradição nos próprios temos. Vejamos um exemplo em que a plena vigência da democracia burguesa gera o seu exato contrário, exatamente pelo desenvolvimento político da classe proletária alavancada, facilitada exatamente nesse contexto "democrático".

Suponhamos que, com democracia burguesa vigendo plenamente, a luta de classes seja levada ao seu extremo de ruptura, à beira da revolução: resposta da burguesia ou, mais provavelmente, da pequena- burguesia no poder gerindo o capital: regime ditatorial, isso se elas tiverem força para tanto! Seria a medida de força contra o proletariado para "tentar garantir a permanência das instituições burguesas", ou seja, do aparelho repressivo e organizativo do Estado burguês. É mais provável que nesse momento as classes médias estejam hegemonizando o poder em nome da burguesia: elas são, enfim, burguesia. Não podemos esquecer que assim Lênin classificava inclusive a aristocracia operária, a pequena burguesia e etc., quando afrontavam o proletariado organizado em partido comunista prestes a tomar o poder.

Vamos fazer um exercício de cenarização, apenas um dos "n" possíveis. Muitas são as possibilidades, percursos, constelações de fatores que poderão acontecer diante de uma mesma situação básica: a iminência da revolução proletária numa situação revolucionária. Vamos supor, então, que a luta de classes tenha atingido seu paroxismo, ou seja, que a polarização burguesia X proletariado tenha chegado ao ponto de colocar as condições de um assalto ao poder do Estado burguês pelo proletariado organizado em seu partido de classe. Engels tem uma passagem interessante a respeito, que eu já trouxe aqui na ESK, que diz que a burguesia "convoca" ou "cede" o posto de força hegemônica no poder do estado à pequena-burguesia, sendo exatamente essa a sua função neste caso: servir de anteparo à ofensiva decisiva do proletariado revolucionário. É inevitável que, nessa exata situação, a ideologia da classe média no poder, coligada com setores da burguesia, seja o SOCIALISMO; trata-se de minar a unidade do proletariado, confundir a clareza na distinção radical entre os diferentes socialismos, particularmente a distinção entre socialismo revolucionário e os demais socialismos; mas aí se coloca um movimento que pode desdobrar-se em três momentos:

- diante da ascensão da classe trabalhadora organizada autonomamente, com seu partido de classe, partido operário, agora comunista, controlando toda uma vertente proletária do "duplo poder", ou seja, controlando todas as organizações que a classe forjou espontaneamente numa fase anterior, a pequena-burguesia, num primeiro momento, certamente estará no poder, coligada com setores do campesinato e da burguesia "progressista"; tentará dividir e cooptar com todos os trunfos da mistificação democrática, dentre elas a da participação dos trabalhadores no poder para avançar nas "reformas revolucionárias"; sendo certamente um caso de "salvação nacional", ou devido a uma guerra civil ou internacional, ou devido à própria tragédia da crise catastrófica, vários setores da classe trabalhadora, os setores mais atrasados e a aristocracia operária, certamente sentir-se-ão compelidos a participar " na "defesa e consolidação a democracia", ou "na implantação de medidas para avançar no socialismo" (claro, socialismo reformista); claro, essa situação só se desenha enquanto o proletariado revolucionário, devidamente organizado com seu programa de intervenção, de destruição do estado burguês, está em plena ofensiva, prestes a tomar o poder; se sua força revolucionária permanece, ou seja, não se dilui com essa tentativa das forças encasteladas no estado burguês, o que seria a derrota política da classe, haverá o CONFRONTO FINAL; duas possibilidades nesse confronto final ou série de confrontos finais: ou vence o proletariado, e teremos a destruição do estado burguês e o início da ditadura do proletariado, com seu respectivo novo aparelho de estado, ou vence a burguesia, na verdade, nesse momento, representada pela pequena-burguesia hegemonizando a coalizão capitalista;

- se as forças encasteladas no poder têm alguma restrição quanto aos métodos e à intensidade com que a repressão à classe trabalhadora terá que se dar, então a radicalização, muito provavelmente, dar-se-á através de um expurgo na coalizão outrora hegemonizada pelos socialistas reformistas, inclusive marxistas reformistas, para passar a ser hegemonizada ou pela burguesia que volta ao poder, ou por setores mais violentos e "bonapartistas" da pequena-burguesia; por vezes o simples processo de repressão não é suficiente para o redesenho e revigoramento das condições gerais da acumulação; nesse caso uma militarização da sociedade e da economia são necessárias, vindo então o advento de uma guerra internacional; é aí que, o que conhecemos por "fascismo" ou "nacional-socialismo" na primeira metade do Século XX, teve seu lugar histórico.

O fascismo chega ao poder depois do assalto proletário ter fracassado, depois do proletariado estar política e militarmente derrotado.

Lênin é bem claro a respeito, no que toca às condições da Revolução Russa de 1905 e mesmo na conjuntura de pré-guerra. A luta de classes, até por ser luta, envolve o risco da derrota. Os homens lutam porque são obrigados a isso pelas circunstâncias da sua sobrevivência drasticamente ameaçada: podendo vencer, podendo perder, melhor que se lance nessa luta com sua teoria, com seu programa, com sua organização, liderando o máximo de setores que a isso se ofereçam.

Portanto, a prevenção a respeito de uma eventualidade do recrudescimento do fascismo é praticamente impossível, já que este, de fato, é um resultado da derrota política e militar do proletariado. Trata-se da contra-revolução, da repressão e reestruturação social e econômica. O fascismo em si não é inevitável como forma da contra-revolução, é na verdade uma das possíveis arquiteturas políticas e ideológicas da contra-revolução. O fascismo como movimento social, como forma, é uma certeza, até porque depois da primeira encarnação do fenômeno nas primeiras décadas do Século XX, ele está presente como memória prática para as organizações mais radicalizadas das classes médias das gerações posteriores. Interessa, no entanto, avaliar o fascismo como fenômeno potente e não como fenômeno exótico, bizarro. Foi essa avaliação que nos esforçamos para fazer acima. O fascismo como movimento exótico, portanto, isolado, criticável, constitui até instrumento de crítica mistificadora na medida em que possibilita uma crítica "de esquerda", de uma esquerda ou de uma direita democráticas que assim fazendo procurariam legitimar exatamente o processo, meios e espaços para uma cooptação da classe trabalhadora organizada revolucionariamente: a ameaça do fascismo.

A meu ver, só há um meio de impedir o fascismo, caso o fascismo seja mesmo a arquitetura possível e necessária para o processo de repressão à classe trabalhadora revolucionária: a vitória! E só há um caminho para a vitória da classe: para os países de economia avançada, como os países centrais, mas também para países da periferia industrializada como o Brasil, a Coréia do Sul e etc, é a auto-organização do proletariado como força revolucionária independente, com seu projeto revolucionário tendo como base o marxismo revolucionário e um plano prático, histórico, de intervenção. É assim, cumprida essa condição, que o proletariado poderá atrair setores da pequena-burguesia para seu projeto, é assim que o operariado revolucionário dirigirá a revolução com possibilidade de vencer.

É assim que se apresenta, inclusive, grosso modo, um dos cenários possíveis no quadro para uma futura revolução proletária no Brasil.

III - Crises, seus Mecanismos e Mistificação

INTRODUÇÃO - quarta-feira, 15 de outubro 2008[4], e até lá a crise pode ter acabado, pois se ela é financeira, os bancos agora dormem no berço esplêndido do Estado após a reunião do G7, G20 e da União Européia nesse fim de semana. Segundo Lênin, Lassalle teria dito: "Os reacionários são gente de ação."[5]

Dizia Lênin lá que todos ficam "encantados" com a ação dos reacionários, inclusive os mencheviks, os reformistas oportunistas. Nada de estupendo, dizia Lênin, pois a questão é quando eles não agem! Quando eles não agem explicitamente, na violência aberta, é porque as forças não estão consteladas para tanto - aí eles apontam para outros espaços mais sutis de "ações": na época, a DUMA!

Os mercados globais acordaram nessa segunda-feira todo "esperançosos", estupefatos pela "articulação salvadora dos poderes globais"!

Na verdade, nos interessa o esforço desesperado das esquerdas para compreender a CRISE atual, tendo como pano de fundo preocupação com a LUTA DE CLASSES e a emergência do PROLETARIADO REVOLUCIONÁRIO! Esta é a questão universal dos nossos tempos de modo de produção capitalista. Esteja explícito ou não, o método de avaliação de cada texto diz respeito exatamente a essa questão. Se quisermos ter uma compreensão dos textos de conjuntura que estão proliferando, temos um método: e é esse o método, que se pauta sempre na CENTRALIDADE DA CLASSE.

Todos, consciente ou inconscientemente, pró-proletariado revolucionário ou contra, estão focados na crise, apressados em já estampar suas análises, sua palavra, com o fito de assumir a dianteira em "apontar saídas para a crise no interesse dos trabalhadores"[6]. A economia política pequeno-burguesa, socialista reformista, tem aí uma TESE BÁSICA: as crises catastróficas são já "desnecessárias", contornáveis! Porquê? Porque as crises catastróficas trazem, quase que inevitavelmente, a emergência do proletariado revolucionário, e, portanto, trazem à tona a ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA de superação do modo de produção capitalista.
Claro, a economia política pequeno-burguesa saiu na frente! Mas, sai na frente apenas para mostrar antes de todos as bobagens homéricas de que é capaz! Aí estão todas essas peças teóricas e conjunturais devidamente documentadas para análise crítica do marxismo revolucionário - tudo tem um conteúdo de classe, inevitável, incontornável, mas disfarçável, e dependendo da classe que procuram efetivamente defender, aí estão estampados os seus limites incontornáveis.

Vamos por blocos, tentando responder e esclarecer, onde é possível, as questões trazidas pelo prezado listeiro Prachanda na Eskuerra:

I - Prachanda disse: "como as reflexões de Arrighi se apegam unilateralmente à realidade material sem espaços para a iniciativa dos agentes sociais e como tudo se resume à tendências de longa duração sem rupturas. [...] A revolução e os agentes revolucionários estão fora do âmbito das reflexões de Arrighi."

Ivan J.: a razão do porque Arrighi, assim como todos os braudelianos dentre eles Fiori, não têm espaço para a luta de classes reside na sua teoria geral da história. A matriz diz que existe uma lei que regula a sucessão dos "impérios" ou ciclos. Desde o primeiro, se não me engano, o "ciclo veneziano" ou coisa que o valha. Por ter achado uma mecânica qualquer nesses ciclos, que eram, inclusive pela época que toma como referência, pré-capitalistas, ou seja, antes que a força de trabalho se constituísse como mercadoria responsável pela reprodução material da sociedade, vemos que essa teoria tem algum traço histórico mas é a-histórica por abstrair a especificidade da natureza da produção e reprodução capitalista. É como procurar a determinante da ascensão, auge e queda do império norte-americano no império romano e etc. Mas já por aí vemos que a História não é a História da Luta de Classes e que estes ciclos irão se suceder indefinidamente, uma teleologia histórica. O mistério para esse pessoal, no fundo, consiste em saber quem será a potência hegemônica para o próximo ciclo: Europa, Japão, China, ...

II - Prachanda disse: "os próprios áulicos da burguesia já estão fazendo o necrológio do neoliberalismo (hoje, no Jornal do Almoço da RBS, subsidiária da Globo no RS, Lasier Martins, ultra-direitoso apresentador, já criticou os excessos da desregulamentação dos mercados e a bem-vinda mão estatal para pôr ordem na atividade econômica) e saudando o neokeynesianismo. [...] Mas, me pergunto eu, que sou interessado mas ignorante em economia, o neoliberalismo não foi precisamente uma resposta à crise do keynesianismo como motor da recuperação da taxa de lucro? Não foi o neoliberalismo uma resposta à estagflação dos anos 70? Poderia ele ser uma resposta à crise de hoje? Ou só a eliminação em massa das forças produtivas (por exemplo, através da guerra) pode restaurar uma taxa de lucro média aceitável para uma recuperação vigorosa? Me parece que este foi o caso da recuperação da crise dos anos 30. [...] Neste contexto, também gostaria de inquirir você quanto ao seguinte. Você rejeita as teses dos grandes ciclos. Enfatiza que a realidade só corrobora os pequenos ciclos (hoje, em torno de 5-7 anos), descritos por Marx. Você rejeita também a idéia de que os pequenos ciclos ocorram dentro de um contexto (ainda que não cíclico, não periódico) em que a burguesia organize a produção em diferentes arquiteturas (por exemplo, o neoliberalismo inicia-se há cerca de 30 anos, como as medidas de Paul Volcker no FED e com os governos de Reagan e Thatcher - com o precursor na ditadura Pinochet, mas, aí, tratando-se de um país periférico; antes dele, o keynesianismo reinava supremo já por três décadas desde o fim da II Grande Guerra. Ambos englobaram inúmeros pequenos ciclos de expansão e crise, com maiores ou menores efeitos)?"

Ivan J.: seja C o capital constante total, V o capital variável total e M a mais-valia total; as crises específicas do modo de produção capitalista tem uma única razão: o aumento inelutável da composição orgânica do capital (C/V), devido à luta de classes, levando a uma queda da taxa de lucro (M/C+V). O capital torna-se mais e mais intensivo em capital. A taxa de lucro é calculada no âmbito do capital social total, ou seja, de toda a economia de uma sociedade. Se esta sociedade for a do próprio mercado mundial, então trata-se da economia mundial inteira. O produto e a riqueza do mundo estão resumidos na seguinte fórmula: C+V+M. Não há mais nenhuma letra nas fórmulas que Marx utiliza para compreender a essência das crises.

A burguesia e a pequena-burguesia e suas respectivas economias políticas têm diversas estratégias para "sair" da crise. A obra de Marx é um esforço, muito bem sucedido, aliás, para demonstrar que estas estratégias todas dizem respeito única e exclusivamente à REDIVISÃO DA MAIS-VALIA e que, portanto, não mexem na taxa de lucro propriamente dita.
A crise tem que cumprir seus desígnios. A crise é uma queda geral no produto (C + V + M) e também em cada um dos seus três componentes. Tudo cai, todos perdem inclusive a própria burguesia, os bancos e etc; alguns ou muitos capitalistas desaparecerão, mas os que conseguirem permanecer é que são os ganhadores: deles será o próximo ciclo. Importante, a crise será mais ou menos longa, ampla e profunda na medida em que maior for sua tarefa de destruição. Com o suceder dos ciclos a o capital social total vai se tornando mais coagulado, mais esclerosado por assim dizer; algumas crises exigem um redesenho total do sistema, uma mudança de paradigmas tecnológicos, de interesses velhos para novos interesses no âmbito da burguesia, que só guerras globais poderão dar conta. Voltando à crise, há uma queda geral do produto e nos valores de tudo. Nessa queda geral, a crise perdurará até que NA QUEDA DE TUDO ressurjam as condições gerais para a retomada do ciclo. A queda na produtividade é vertiginosa também.
Ou seja, a crise tem que destruir forças produtivas até que a taxa de lucro se recomponha - único e exclusivo fator do relançamento do ciclo. A queima de capital e de força de trabalho é que realiza essa re-equalização da taxa de lucro possibilitando a retomada do ciclo.

Como isso acontece?

Primeiro: a crise quebra generalizada de empresas e desvaloriza o capital, disponibilizando capital fixo a preços baixos (uma parte do C diminui); por outro lado, há nas crises uma deflação, ou queda geral de preços, o que leva a uma quebradeira nos ramos produtores de matérias primas, levando a uma queda nos seus preços (outra parte do C diminui); só aí vemos já um efeito rejuvenescedor vital. Segundo: o desemprego leva a uma violenta compressão dos salários e a uma pressão enorme sobre a classe trabalhadora para o alongamento da jornada de trabalho e para um aumento da intensidade do trabalho (mais-valia absoluta); temos o V diminuindo drasticamente.

Portanto, devemos inclusive buscar os fatores da recuperação econômica cíclica no interior da própria economia e não na intervenção ou estratégias dos governos. Aliás, devemos explicar a emergência de uma "nova" estratégia exatamente no interior dos mecanismos autônomos da própria recuperação. O que teríamos se fosse o contrário: cada crise e a onda de intervenções que lhe seguem, seria a oportunidade para uma "reforma" do sistema, uma oportunidade para o "socialismo". Não é assim! Na verdade o Estado capitalista, seja ele "hegemonizado" por algum setor da burguesia, ou pela pequena-burguesia, estará apenas cuidando de permanecer no fio da navalha determinado pela essência dos mecanismos do modo de produção capitalista - o estado estará cumprindo uma tarefa - esteja quem estiver no seu comando. Aí está, claro, uma oportunidade também para o oportunismo, de um lado, e para a mistificação democrática de outro - os trabalhadores poderão estar sendo convocados para a "reconstrução nacional", ou para "a salvação nacional", ou para "avançar nas conquistas ou no socialismo". Esse é o momento orgânico para a intervenção do ESTADO (sempre o estado capitalista, claro), e portanto o momento para a mistificação!

Não podemos rejeitar os ciclos de "estilos" institucionais e ideológicos de gerenciamento da burguesia, mais estatizante, mais liberalizante. Mas a dialética aí é muito interessante. Cada crise é o colapso de uma determinada configuração de setores das classes dominantes, exigindo que uma reconfiguração. É fácil ver o colapso e renascimento das correntes se verificando na economia norte-americana e nas européias avançadas. Os entusiastas pró-mercado, os entusiastas pró-regulação e etc; os entusiastas pró-redução dos impostos, os entusiastas pró-gastos sociais. Não creio que o keynesianismo esteja morto, ou pelo menos não mais morto do que sempre foi. Teoricamente o keynesianismo jamais foi capaz de apresentar uma solução para a crise do modo de produção capitalista. Marx já "decodificou" seu DNA ao cuidar de Malthus e Sismondi - a economia vulgar, aliás, que Marx chamou de "economia vulgar". Ao contrário, o que veremos é o keynesianismo sendo reavivado, restaurado, retomado em várias formas, novas roupagens "inéditas", e a pequena-burguesia em especial adora novidades, adora o novo. Veremos o keynesianismo reaparecer sob a forma de neonazismo, neo-socialismo, neo-desenvolvimentismo, neo- socialismo... Mas nada mais do que a economia vulgar, e pronto!
Por exemplo, muito provavelmente a próxima recuperação irá se dar pelos gastos maciços em infraestrutura. Dois fatores objetivos estão determinando essa via: a) a falência global das famílias e do instrumento que possibilitou seu consumo nos últimos ciclos - o crédito; b) o estado relativamente depauperado em que a infraestrutura encontra-se nos países centrais, à exceção dos países nórdicos, Canadá e da Alemanha; por outro lado, a integração latino-americana em torno da economia brasileira irá abrir a oportunidade para gigantescos investimentos; há também um potencial na África.

Então há aí um campo de investimentos enormes, mas que não sabemos se será "suficiente" para evitar que as crises posteriores sejam mais graves que a atual, que poderá alimentar o próximo ciclo de retomada - no entanto, as frações da burguesia, e suas respectivas ideologias, deverão ser re-configuradas; muda a hegemonização gerencial para esse processo; talvez setores das classes médias frustradas, as estatais, por exemplo, possam ser chamadas para "participar".... seria a glória da cidadania para esse povo.

As saídas para a crise implicam em alguns movimentos históricos do capital. Centralização, concentração, aumento da taxa de exploração e etc...; em geral, os socialistas reformistas de todas as vertentes reivindicam este momento como "oportunidade para o socialismo", exatamente esse movimento desesperado do próprio do capital procurando superar suas limitações. A centralização do capital é vista como processo de "avanço" do "controle social" da produção: ridículo! De há muito isso está totalmente compreendido e criticado pelo marxismo revolucionário.

Então, dito e feito: o pessoal que balançou por aí a bandeira do "fora FMI", "fora ALCA", "fora neoliberalismo", vão ter que refletir muito ao constatar dessa e de outras vezes o fato de que o próprio capital cuidou de seus problemas, sem que a mobilização dos movimentos populares fossem sequer necessários para essas reviravoltas ideológicas, teóricas e etc. Conclusão, que os revolucionários já adiantaram desde há muito, todas essas bandeiras eram interiores ao capital, formas ou alternativas para a sua própria reprodução ampliada, são soluções interiores para os problemas do capital, sem que se toque em qualquer dos fundamentos da sua reprodução, portanto, estamos falando em MISTIFICAÇÃO e nada mais do que isso! E muito movimento popular saiu com essas bandeiras. Mas, o que é também inevitável, a pequena-burguesia jamais vai aprender essa lição, pois isso significaria que a pequena-burguesia teria que deixar de ser ela própria para tornar-se proletária! Não o fará! As modernas classes médias, e também as tradicionais, jamais abandonarão suas teses - sua máxima radicalização revolucionária, infelizmente, está fora delas mesmas. O único meio delas tornarem-se revolucionárias é aliarem-se e se deixarem conduzir, liderar, pelo proletariado revolucionário. Isso acontece e é também favorecido pela crise. A crise ameaça as classes médias de um processo de proletarização em massa. A esse terror elas tentam como nunca apegar-se aos seus referenciais, tentando restaurar a acumulação do capital, agora sob direção do estado, tanto pela direita como pela esquerda - e já vimos isso ocorrer de "n" maneiras no decorrer do século XX. Uma dessas possibilidades de politização das classes médias é a que elas passem a ser lideradas pelo proletariado revolucionário, e como diz Marx, elas não estarão aí lutando pelos seus interesses próprios enquanto classes médias, mas pelos seus interesses futuros já que o capital aponta para a sua proletarização iminente! O proletariado jamais volta as costas para as classes médias. O proletariado luta o tempo todo para fazer passar nos circuitos interiores das classes médias a tese de que a solução definitiva para os seres humanos que estão na condição social de classes médias reside exatamente na sociedade sem classes - e que o único projeto para essa sociedade sem classes é o proletário, o marxismo revolucionário. Aí e só aí reside a possibilidade de uma aliança. Mais o capitalismo se desenvolve, mais essa aliança se configura dessa maneira mais extrema, mais radical. Então na Europa, na América do Norte, no Japão, nos países periféricos fortemente industrializados, dentre eles o Brasil, a Argentina e o México aqui na América Latina, a configuração política revolucionária é essa. Não somos uma Rússia do início do Século XX, não temos mais uma questão camponesa, ou questão agrária, que imprima alguma tonalidade no programa revolucionário atual. Há economias na América Latina onde a questão agrária ainda é relevante. No entanto, para o conjunto da revolução latino-americana, são suas economias líderes, as três mencionadas acima, que darão o caráter do programa. Esse caráter diz respeito ao modo como está se dando a reprodução material em nosso continente. O fundamento dessa reprodução material é o proletariado moderno, o operariado industrial. Não há como vacilar aí!

III - Prachanda diz: "Um último questionamento. Em princípio, espera-se que as crises ocorram, cada vez, com mais freqüência e com maior severidade. No entanto, após 1929, severíssima, tivemos crises menores (1937, se não me engano, mas dentro da depressão dos anos 30; ou se deveria dizer que, em meados dos anos 30, tivemos uma recuperação pífia dentro de um período de baixo crescimento entre duas crises cíclicas?); duas maiores, no início e no fim da década de 70 e a crise de 1987. Todas estas últimas citadas, no entanto, foram menos severas que a de 1929. Não parece aparecer, nesta minha simplícima descrição um padrão (ainda que o ciclo possa ter se reduzido). O que você acha? Há alguma peculiaridade da crise de 1929 e dessa que entramos agora em comparação com as outras? Seriam desvios de um suave padrão de crescente severidade, mas muito gradual?"

Ivan J. responde: e não é à toa que a recuperação da hecatombe de 1929 se deu pelo único espaço de acumulação que restou: os maciços gastos estatais. Mas vemos que não foi de modo algum um mundo fácil, de "problemas resolvidos", muito ao contrário, a luta de classes recrudesceu e assumiu formas inauditas nos anos 30; na Rússia a luta de classes foi aos píncaros e os gastos do Estado foram o suporte de sustentação da acumulação, com mega-obras, as coletivizações, o militarismo; na Alemanha, Hitler e nada mais precisamos falar; em toda a Europa o estado veio em socorro de um capital cambaleante, nos USA os fundamentos infra-estruturais, a urbanização moderna, tudo foi levado à enésima; no Brasil, primeiro as maciças compras públicas de café, depois uma industrialização muito precária; multiplicam-se os exemplos. Qual foi o conjunto do movimento? O proletariado revolucionário internacional foi castrado de suas organizações revolucionárias na década de 20 pelos resultados concretos da guerra de classes que se iniciou no fim da Ia Guerra Mundial e pela "bolchevização", estalinização e pelo reformismo. O fascismo e o nazismo, assim como o nacionalismo em geral, constituiu o campo de cooptação da classe que se sucedeu à fragmentação e desmonte dos instrumentos que ocorreram nos anos 20. A crise de 29 foi a mãe de todas as crises, e você tem razão em dizer que as crises posteriores nem foram tão graves. De fato. A de 29 derrubou o patamar da acumulação para um nível tão baixo que as crises anteriores não tinham mais tanto a derrubar. A questão principal para o rejuvenescimento do capital para uma nova faze de expansão global não era propriamente essa. Ela residia numa reconfiguração da própria economia mundial, a questão era uma "redivisão do mundo" que possibilitasse a retomada não nacional meramente, mas global do capital. Ali temos um exemplo de como o imperialismo deveria se redesenhar para abrir os espaços para uma acumulação. Uma Guerra foi necessária e inevitável para essa reconfiguração. Uma nova guerra mundial parece estar sendo mais e mais necessária hoje para que uma nova ordem econômica mundial emerja. Talvez essa crise cíclica tenha o mesmo "lugar" na sucessão de crises cíclicas que a de 29. É um insight. Mas temos que ter muito cuidado com as analogias, paralelismos com situações anteriores e etc. De recurso útil para as cenarizações e prognósticos de hoje, pode transformar-se em mecanicismo e, logo, em fatalismo. Teremos que encarar nossa realidade como ela é, acima de tudo - mas as analogias, o estudo do passado e etc, é momento hiper-necessário para verificarmos, com liberdade, se a história vai percorrer as mesmas fases, ou parecidas, ou fases distintas.


A PRÁXIS ESPECÍFICA, A PRÁXIS GERAL - Uma coisa é certa: o proletariado é a classe central da revolução proletária futura. O proletariado tem um núcleo duro: o operariado dos setores mais modernos da economia (indústria, armazenamento, transportes, distribuição, tanto nos setores primários, como nos setores de transformação , logística e infra-estrutura), ou seja, nos setores do capital produtivo. É em torno do proletariado, que assim é nucleado em torno do operariado, que se perfilarão os demais setores sociais que premidos pela crise venham a se radicalizar para o socialismo. O operariado avançado, politizado, forma a base social para a organização política da classe em partido de classe, o partido operário. O partido operário é o terreno de militância para os marxistas revolucionários. Por aí já vemos o quão longo e difícil é o caminho, o quanto há para se fazer, mas vemos também o quão desorientada está a esquerda revolucionária no país, que ainda se esforça para se livrar dos preconceitos que esse larguíssimo período de contra-revolução incrustou tão profundamente no "imaginal" dos movimentos sociais.

O preconceito básico é o de que o operariado não poderá mais constituir-se em vanguarda do proletariado, e consequentemente da revolução, pelo fato de estar muito "enfraquecido" no solo social e econômico por causa das inovações tecnológicas das últimas décadas. Nossa tarefa fundamental, a dos marxistas revolucionários, consiste em duas partes: a) restaurar ideologicamente e teoricamente a primazia do proletariado e seu núcleo duro operário; b) militar nos movimentos sociais, contribuindo na sua organização, mas trazendo a perspectiva desse vínculo íntimo de todas as suas lutas com as lutas operárias. Eu, particularmente e pelas circunstâncias pessoais, estou contribuindo diretamente no movimento operário. Mas eu poderia estar em qualquer outro movimento: as teses e princípios serem desenvolvidos e defendidos, os nortes fundamentais da luta ideológica, seriam os mesmíssimos. Se estivesse nos previdenciários, ou nos professores, ou no movimento do proletariado rural, ou nos diferentes movimentos comunitários do proletariado urbano, ou nos movimentos do campesinato, p.ex., eu estaria lutando por essas teses, vendo, compreendendo, defendendo em cada nódulo específico de luta, o movimento de conjunto da revolução. Estaria lutando para estreitar os vínculos dos movimentos diversos com o movimento operário, buscando estabelecer sinergias combativas, ideológicas e etc, eu estaria com minhas baterias voltadas para reforçar, de qualquer lugar que eu estivesse, a posição das correntes e grupos operários organizados com posição revolucionária contra os pelegos e outras vertentes mais sutis de diluição e cooptação da classe, exatamente no seu núcleo duro, o operariado. Essas lutas, essa práxis, têm momentos; uns mais favoráveis, outros menos favoráveis. Há momentos em que a acumulação do capital mundial está tão potente, como foram as últimas décadas, que a militância revolucionária se dá em condições extremamente desfavoráveis, que afetam o conjunto da classe e estabelece para nós, os marxistas revolucionários, o espaço de militância não maior do que um gueto. Mas essas condições desfavoráveis não se eternizam, a correlação de forças muda no interior da classe e é a crise a responsável por essa mudança. Aí está a crise: o resto é ARTE POLÍTICA. A nossa política em princípios muito rígidos, não princípios morais, mas na verdade teses e máximas que as lutas de inúmeras gerações de proletários revolucionários nos legaram. As experiências passadas do proletariado revolucionário em luta estão todas grafadas em sangue, em vermelho, nos Anais Sagrados da Classe. Por isso a classe não desperdiçou suas amargas derrotas: ela as transformou todas em teorias potentes, cristais, que constituiu um quadro referencial onde a capacidade mais elevada do pensamento humano está consubstanciada. O marxismo revolucionário é essa teoria - estudá-la é missão fundamental nesse momento. Só ela poderá potenciar nossa intervenção qualitativa nos movimentos de massas. Mas há um problema, que é um problema dos nossos tempos: teremos que dar conta do principal dos princípios que regem essa teoria e articula toda a sua lógica interior: A CENTRALIDADE DA CLASSE! Muito já se escreveu a respeito desse conceito-chave, inclusive por outros listeiros, aqui mesmo na ESK.

CRISE, PEQUENA BURGUESIA, MARX E A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA NA A.L. - Uma última observação: alguns textos de esquerda têm sido veiculados pela WEB a respeito da crise atual. Leio-os todos sem exceção. São apenas exemplares da economia política pequeno-burguesa e o respectivo socialismo e crítica típicos do seu referencial, no geral de um baixo nível crônico. Passou-me pelas mãos um de Leonardo Boff (O abalo dos muros), um de Pomar (Teorias da crise financeira), um que é de um coletivo (Declaración final de la Conferencia internacional de economia política: respuestas del sur a la crisis económica mudial - Caracas).
Podemos detalhar os conteúdos e suas insuficiências. Mas diante do que expusemos acima, basta a leitura para vermos suas limitações.

Outras análises, inclusive nas mensagens anteriores aqui na ESK, estão surgindo todo dia, muitas, em profusão tsunâmica, e precisamos de um marco para avaliá-las.
Também já li a respeito Emir Sader, Cesar Benjamim, Alan Woods, Katz..., inclusive o Fiori que já comentamos. Cada um com seu estilo, seu referencial, acabam recaindo na mesma tecla: a crise é financeira, embora alguns acreditem e escrevam que nem tanto; o estado deve se reconfigurar politicamente, atraindo novos setores, os progressistas, e expelindo os "neoliberais", para providenciar a nova recuperação, que poderá fazer avançar o "socialismo", claro, o socialismo de Estado.

O que trouxe acima é uma contribuição, um esforço nesse sentido, sem ser o mais competente, sem ser o definitivo, sem ser o único, e ainda ser muito precário. O que estas considerações trazem de profundamente distinto em relação a todos os outros textos, ou se esforçam por trazer, é a tentativa de expor, permanecer e defender o "fil rouge", a centralidade da classe, a tese absolutamente central de que o marxismo revolucionário, ou seja, a teoria e as teses de Marx são totalmente válidas para ler e compreender a crise mundial atual, assim como as demais que estão por vir, e que esse arcabouço teórico e político de Marx são totalmente válidos para compreender os fundamentos da nossa realidade mundial e latino-americana, e para fundamentar todo o programa revolucionário do proletariado na América Latina.

IV - As "concordâncias" com Marx

Marx foi o primeiro economista a tratar de uma maneira profunda a dialética das formas "cíclicas do capital", tanto no Livro II como no Livro III. A "contra-tese" de que nesse todo orgânico que é o capital, tanto na obra de Marx como na própria realidade, de repente, numa determinada fase do seu desenvolvimento o ciclo do capital dinheiro, confundido como bancos, se sobrepõe ao capital produtivo e ao capital mercadoria, parece que vem de Hilferding mesmo com seu conceito de "capital financeiro". Desde lá, essa "abertura" de Hilferding causou muito estrago teórico. Claro que o assalto do "revisionismo", do marxismo "reformista", agarrou essa deixa como um um salva-vidas. A idéia central, nos termos de hoje, é a da "financeirização", que daria às crises uma determinada causalidade que faz da obra de Marx uma verdadeira inutilidade. Marx a partir disso torna-se apenas um "glossário" de termos a serem utilizados, mas que são utilizados sem o menor respeito à sua organicidade com o próprio pensamento de Marx. A confusão que daí emerge é total, e está arraigada profundamente nas esquerdas teóricas e também nas esquerdas militantes. Um terreno minado, literalmente, pois conduz a derrotas políticas fantásticas. Já comentamos como bandeiras políticas são erguidas pelos movimentos militantes, com base nessas teorizações esdrúxulas, para logo em seguida o próprio capital realizá-las por si mesmo, sem qualquer "interlocução" com essas mesmas esquerdas: um tapa na cara, um desdém, uma esquerda humilhada, desmoralizada. O fim do neoliberalismo, p.ex., não se deu a partir da crítica, da resistência e etc, mas de dentro do próprio ser econômico do capital, uma solução intra-burguesa. E não foi, claro, por falta de aviso.

Por outro lado, há algum tempo que estou ensaiando de comentar essa entrevista de Hobsbawm[7], que está tendo uma difusão grande nesta e noutras listas.

Hobsbawm é um acadêmico, um acadêmico marxista. Típico. Ele está ainda, como sempre esteve, engajado na luta contra o marxismo oficial da União Soviética, principalmente na sua versão estalinista. Agora combate moinhos, espectros. Não creio que seja por nostalgia ou por esclerose. Creio que Hobsbawm tem um instinto, está de prontidão para algum perigo, alguma ameaça iminente. Ele tem uma especificidade que é a da sua própria natureza social: é um marxista intelectual na condição de oráculo consagrado. Hoje ele está mais na condição de "livre pensador" e cada declaração que faz tem a densidade enorme de um testamento intelectual, o néctar destilado do esforço de uma vida. Dedicou-se a vida toda, precipuamente, a exercer uma crítica essencialmente acadêmica, ou seja, filosófica. Como compreender dialeticamente a essência de sua obra, de sua práxis. Me vem um insight geral para abordar suas manifestações: se não usasse termos e conceitos próprios de Marx, e não fosse mesmo um "marxólogo", ele bem se enquadraria em alguma das correntes ou facetas do "Socialismo verdadeiro" da Ideologia Alemã. Na essência do discurso de Hobsbawn vamos mesmo encontrar vários dos vetores de pensamento já criticados por Marx e Engels naquele texto clássico. Se fosse de estruturar uma crítica exaustiva da posição de Hobsbawm eu investiria numa hipótese como esta - não poderia errar.

Hobsbawm, no cumprimento verdadeiro e aberto do seu ser, investe na única direção possível para deixar a obra de Marx como uma contribuição anódina, exótica, "atual em alguns de seus aspectos". Não um guia para a intervenção histórica da classe proletária, mas uma contribuição, dentre outras, para a melhor compreensão da realidade. Sabemos que entre uma coisa e outra a distância é INFINITA!

Diz Hobsbawm: "A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado" , dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx".

Aqui Hobsbawm já abre sua artilharia contra o proletariado, claro! Esse é um dos elementos fundamentais do seu posicionamento que é importante. Por que importante? Por que ele é típico de uma flora fauna de marxistas intelectuais que encaram a "contribuição de Marx" como uma "contribuição". A pretexto de criticar, ou melhor, chutar os cachorros mortos do estalinismo, relegam a "contribuição" de Marx a produto de um "gênio", sujeita a "atualizações", como conjunto de "ferramentas" sujeitas a crítica e etc. O ponto crucial é um só, fazendo uso das palavras do próprio Hobsbawm: " o "proletariado" , dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx". Diríamos com o 'imorrível' dito: "Feliz Israel, cercada de inimigos por todos os lados"! A ridícula afirmação só pode ser mesmo uma afirmação. É desprovida totalmente de conteúdo estatístico, pois o proletariado e, em particular, o operariado global só fez aumentar, e a uma escala geométrica no pós-IIa Guerra Mundial. Seria interessante ver o que dizem as confusas, também falseadoras, estatísticas internacionais - as quais são também instrumento, óbvio, de mistificação. Além disso, os "percalços" quantitativos do operariado, todos eles ligados a ciclos e etc, já estavam previstos, enquadrados, devidamente considerados no próprio Livro I de O Capital. Quem ler encontrará. Quem leu e não tomou em consideração, dizendo-se marxista, falseia!

Diz Hobsbawm: "Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista".

Como vimos, não é à toa que Hobsbawm esvazia, torna estéril, a obra militante de Marx, a "economia política dos trabalhadores", a "bíblia da classe trabalhadora" como dizia Engels a respeito. A obra de Marx é o programa histórico da classe trabalhadora, da revolução proletária internacional, do comunismo científico. Não poderia ser menos, a não ser que se abra mão da classe trabalhadora, do proletariado como o único agente revolucionário "até o fim" (Lênin). Esse esvaziamento da "contribuição de Marx" tem como base uma única afirmação, aliás, não científica: o proletariado morreu, ou está morrendo politicamente. Bem, essa é uma história conhecida, um ataque conhecido ao caráter revolucionário da classe proletária e ao caráter revolucionário e atual da obra de Marx no interior da práxis dessa classe.

Interessante como os marxistas "intelectuais" como diz o próprio Hobsbawm se encantam com esse reconhecimento da "opinião pública", dos "próprios capitalistas" mais sanguinários e etc. Parece que ao menos o entrevistador tem o álibi de estar "vendendo" suas edições, pois o mercado editorial tem suas mecânicas próprias. O fato de editar os Grundriss é sempre bem vindo, mesmo que acompanhado com esses "produtos anexos" que constituem argumento de venda. Mas de um marxista... sempre se espera algo mais.

Mais e mais temos que nos acautelar com as aparentes concordâncias, com as convergências "em geral". O marxismo revolucionário já colheu todos os frutos no decorrer do Século XX, os podres, dessas concordâncias, desses consensos que mistificam profundas e radicais discordâncias de princípio, mas mais ainda, escondem projetos de classes distintas. Consensos que na verdade redundam no único resultado que já têm, sempre, em si mesmos: um ataque frontal, às vezes dissimulado, contra a classe proletária como única classe revolucionária até o fim. O maior exemplo desse combate contra as concordâncias em torno do marxismo é a luta intransigente, árdua, terrível do próprio Marx contra Lassalle! As páginas que ali foram escritas são uma lição para a militância atual, para os que defendem a centralidade da classe, o marxismo revolucionário como o programa histórico da revolução proletária mundial. Lênin e Rosa Luxemburgo tinham também como "interlocutores" em suas polêmicas os maiores marxistas, os do mal, que o mundo já produziu.

Hoje temos que ter muito claro quais são os pontos da discussão no interior do marxismo.

Notas

[1] in http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/50644
[2] Disponível em www.vermelho.org.br, 8/10/09
[3] in http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/50663
[4] http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/50669
[5] Lênin, "Vacilo no alto, resolução embaixo", Vperiod, n. 13, 9 de junho, 1906 - Ouevres, Vol 11, p.13.
[6] Cito amigo meu que se deparou com textos de ampla difusão no seio da militância revolucionária e não revolucionária, claro.
[7] Hobsbawm - A crise do capitalismo e a importância atual de Marx in http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/50675

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