segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

- Ecletismo em Economia Política - Brenner (orig:03Fev08)

Ecletismo em matéria de economia política marxista
Brenner sobre a crise atual e a dialética da luta de classes no Brasil

por Ivan J., 03Fev08

Sumário

I - Brenner sobre a crise atual
1.1. O ecletismo em matéria de economia política marxista
1.2. As nuances emergentes que diferenciam a crise atual das anteriores crises pós-IIa GG.
1.3. Conclusão
II - Sobre a dialética da luta de classes no Brasil



I - Brenner sobre a crise atual

O artigo de Brenner “Devasting Crisis Unfolds”[1] nos mostra um exercício eclético de explicação da crise atual. Eclético porque não consegue operar na causação dialética especificamente marxiana das crises e dos ciclos.

Vamos proceder a uma rápida análise do seu artigo[2], procurando dois elementos: a) os traços gerais da sua filiação ao ecletismo em matéria de economia política; b) os elementos que o fazem diferenciar a crise atual dos demais “ciclos de negócios” do pós-Guerra.

1.1. O ecletismo em matéria de economia política marxista

A dialética marxiana está fundamentada no capital social como um todo e no trabalho produtivo, aquele produtor de mais-valia. A queda tendencial da taxa de lucro (M/C+V) se dá em função de um aumento da composição orgânica do capital (C/V). Esse processo não é mecânico nem constante. Dentre os fatores que “contrarrestam” o aumento da composição orgânica do capital está a diminuição do valor dos bens de produção, aqueles que compõem o capital constante. E não se trata apenas das matérias primas, mas também dos elementos do capital fixo. Sabemos que a cada solução que o sistema encontra, soluções sistêmicas, mais ele potencializa a própria acumulação pela re-capitalização da mais-valia, e mais ele no devir agrava sua situação. Por isso mesmo o caminho para a crise e para a debacle do sistema não é linear. Essas contradições do sistema implicam em movimento.

Já o movimento cíclico (que Brenner no artigo abaixo chama, sintomaticamente, de “ciclos de negócios”) advém de uma outra ordem de fatores segundo a teoria marxiana: a reposição periódica dos elementos do capital fixo (instrumentos e instalações).
É uma característica marcante do ecletismo em matéria de economia política marxista a necessidade de recorrer e centrar a análise no princípio da demanda, seja de modo explícito ou de modo implícito:

“La debilidad de la demanda agregada, que es en última instancia la consecuencia
de la caída de los beneficios, constituye desde hace mucho tiempo el principal
obstáculo para el crecimiento en las economías capitalistas avanzadas.”
(Brenner, 2008)

E vemos no artigo de Brenner um belo exemplo dessa tendência aplicada à economia pós-70:

“Para contrarrestar la persistente debilidad de la demanda agregada, los gobiernos, encabezados por el de EEUU, no han encontrado otra solución que comprometer volúmenes cada vez mayores de deuda, en formas cada vez mas variadas y barrocas, para mantener la economía en funcionamiento. Inicialmente, en los años 70 y 80, los Estados se vieron obligados a incurrir en déficit presupuestarios cada vez mayores, a fin de mantener las tasas de crecimiento. Pero aunque esos déficit públicos lograron generar cierta estabilidad económica, sus efectos fueron decrecientes, volviendo a la situación de estancamiento. Por utilizar la jerga de la época, los gobiernos lograban cada vez menos por la pasta invertida, es decir, cada vez obtenían menos crecimiento del PIB con cada aumento de la deuda pública.” (Brenner, 2008)

A causação eclética marxista é característica nesta análise de Brenner; a vemos na versão mais radical em Rosa Luxemburgo. Nos seus contornos gerais poderíamos resumir de modo bem simplista da seguinte maneira:

a) a propriedade privada capitalista fundamenta-se numa relação social capital x trabalho; aqui o capitalista detém a propriedade e o controle dos meios de produção, circulação e distribuição, enquanto o proletariado é obrigado a submeter-se à exploração por ter apenas sua força de trabalho para vender;
b) as classes capitalista e proletária lutam economicamente pela repartição da renda; o chamado “conflito distributivo” em economês moderno, dando ensejo à luta econômica e à consequente organização patronal e trabalhista para essa luta;
c) o acirramento da luta econômica tenderia a levar a um impasse dado o aprendizado cumulativo dos dois pólos da contradição;
d) esse impasse se resolve unilateralmente em favor da classe capitalista a partir da inserção da inovação tecnológica, que pelo que vemos não é neutra; a inovação tecnológica provoca o desemprego tecnológico, restaurando e maximizando a concorrência entre os trabalhadores, dividindo-os; com isso os capitalistas podem aumentar sua exploração sobre a classe trabalhadora (M/V) sem o empecilho de uma classe trabalhadora unida contra;
e) no entanto, os lucros sobem e os salários caem ou ficam estagnados, levando a uma maximização da acumulação (reinvestimento da mais-valia) e a uma insuficiência da demanda na medida em que os assalariados formam o principal componente da assim chamada “demanda agregada” (vide a utilização insistente, e sintomática, do termo no texto de Brenner abaixo);
f) com essa insuficiência da demanda, surge, como corolário, uma “sobre-acumulação”, ou seja, uma acumulação para além das possibilidades do mercado; no texto de Brenner vemos o surgimento de uma “capacidade instalada” excedente;
g) daqui temos a queda da taxa de lucro;
h) o sistema tentará, segundo Brenner, “mascarar” essa crise já estabelecida por intermédio do déficit público, do endividamento, fazendo surgir as bolhas especulativas e etc.
i) até que, no limite, tenhamos a eclosão de uma “Devastadora crise que se desdobra”.

Claro que vários outros recursos para “contrarrestar” a crise são acionados, dentre eles:

a) a internacionalização do capital sob sua faceta mais selvagem, o imperialismo;
b) a oligopolização dos mercados;
c) a “financeirização” do capital;
d) as políticas ‘neoliberais’ como forma de diminuir ainda mais as partes estatizadas do custo de reprodução da força de trabalho, através do combate ao ‘déficit público’ e às ‘políticas sociais’;
e) militarismo.

Claro que por tudo, como vimos acima, tanto Brenner como Rosa Luxemburgo e os luxemburguistas mais sinceros, como Mandel inclusive, podem dizer que a origem da contradição está na produção e na propriedade privada capitalista. Mas esta não é de forma alguma a causação marxiana das crises e dos ciclos.


Marx enfrentou essa concepção das instabilidades e limites do capitalismo que toma como base a insuficiência da demanda ao criticar as teses de Malthus e Sismondi. Lênin analisou tanto o “economismo” e o “populismo” russos, como as teses de Luxemburgo, todos assimiláveis às teses de Malthus e Sismondi, apesar do discurso marxista revolucionário de uma Rosa Luxemburgo. Keynes e Kalecki, assim como Mandel e a New Left norte-americana, também são tributários da tese da insuficiência da demanda. Na economia política latino-americana, e brasileira em particular, a totalidade das formulações tem como base a insuficiência da demanda. No Brasil, desde um Furtado, passando por Conceição Tavares, Chico de Oliveira, Marini, Singer e etc, são correntes desse mesmo paradigma. Hoje, desde, Mandel, Meszáros e Chesnais temos a reprodução desse paradigma.

Mas está claro que o ecletismo em matéria de economia política que permeia todo esse paradigma hegemônico nas esquerdas através da sua causação característica na medida em que é a insuficiência de demanda que aparece como causa para as crises, instabilidades e limites da acumulação, ao mesmo tempo em que se apresenta também como medida para a super-acumulação. Por outro lado, este é um ecletismo circunstancialmente bastante óbvio na medida em que busca e consegue uma ‘empatia’ com o senso comum, a partir da utilização que faz das noções e da abordagem com base na insuficiência da demanda.

No entanto, há também uma forma mais dura de ecletismo: a ricardeana. Em alguns pontos de sua análise, Brenner sugere uma atenção especial para o surgimento de uma capacidade ociosa. Longe de ser um esforço para contemplar a dialética especificamente marxiana dos ciclos e das crises, a alusão ou insinuação ao capital fixo mais nos sugere uma aproximação com a formulação de Jugglar, francês contemporâneo de Marx da segunda metade do XIX.

Ignacio Rangel, marxista eclético brasileiro, também fez uso, dentre outras, das teorias de Jugglar para formular sua “dialética da capacidade ociosa”. No entanto, é interessante lembrar que a teoria dos ciclos de Jugglar nada tem a ver com a teoria dos ciclos de Marx embora também esteja centrada no capital fixo e, em particular, no surgimento da capacidade ociosa com o desenrolar do ciclo econômico.

A fenomenologia dos ciclos sempre envolve os mesmos aspectos tanto da esfera da produção, como da circulação e do consumo. No entanto, o recorte característico da teoria de Marx é sua centralidade no capital social como um todo e também na esfera da produção, e aí no trabalho produtivo de valor e mais-valia.

A economia política marxista brasileira e latino-americana, inclusive na sua tecitura mais radicalizada, segue sendo no máximo, e na melhor das hipóteses, caudatária das diversas formulações do marxismo eclético radicalizado.

1.2. As nuances emergentes que diferenciam a crise atual das anteriores crises pós-IIa GG


Outro aspecto interessante do artigo de Brenner é sua abertura para o cenário catastrófico da crise corrente, remetendo para 1929. Isto, enfatizando as nuances “diferentes” que essa crise vem apresentando. A constatação de que taxas de crescimento do PIB norte-americano foram mais baixas no presente ciclo, iniciado em 2001, do que as taxas alcançadas nos ciclos anteriores é bastante interessante e condiz com o que temos apurado em outras fontes (vide material da exposição no FNM de dezembro de 2007). A estagnação dos salários “reais” produtivos é outro dado importante, embora toda a dialética dos salários ainda deva ser muito aprofundada. Por outro lado, a afirmação de que 80% da população ativa é formada por trabalhadores produtivos sem tarefas de “supervisão” é interessante, o que também merece, claro, um aprofundamento teórico e empírico.

1.3. Conclusão

Brenner é um economista “progressista”, de “esquerda” com grande renome. Tem um livro importante sobre os anos 1990, “O Boom e a Bolha: os Estados Unidos na Economia Mundial.” O paradigma da sua análise é bem claro, e é perfeitamente condizente com o fato dele perfilar-se politicamente no âmbito do “socialismo democrático”, de resto, o campo político par excellence do ecletismo em matéria de economia política marxista.

O artigo de Robert Brenner sobre a crise atual é sintomático.
A crise que se desdobra desde final de 2006 e início de 2007 promete e as esquerdas, claro que muito tardiamente, vêm participar da festa.
Mas as esquerdas radicalizadas o fazem sempre com seu referencial eclético - é este o caso de Brenner.
O comentário que fazemos cuida de ressaltar alguns traços básicos desse ecletismo.
As implicações políticas são bastante claras a partir dessa filiação econômica.
Mas não são os graves desdobramentos políticos do ecletismo econômico o que vamos explorar no nosso comentário - fica apenas indicado.
O ano de 2008 promete muito, e pelo visto bem mais do que esperávamos para uma crise cíclica.
A crise global está apontando para cenários inimagináveis. A confirmar, claro.

II - Sobre a dialética da luta de classes no Brasil

Porém, IMPORTANTE LEMBRAR, o impacto concreto sobre o proletariado, em especial o proletariado brasileiro é algo que teremos que perceber, apreender, no exercício imediato da política operária. Quando falamos em economia o maior pecado é o do mecanicismo entre economia e luta de classes. A dialética é bastante complexa entre essas duas dimensões da reprodução social para que possamos afirmar que basta prever o "econômico" para que o "político" se siga automaticamente. Não é de nenhum modo assim. Há, sem dúvida, o lugar de maior destaque para a previsão econômica. E, no entanto, a política em si é práxis, e, portanto, uma arte.


Fatores muito profundos que determinam as condições da reprodução das relações sociais na economia e na sociedade brasileira estarão atuando de forma limite no decorrer dessa crise. Se vai haver ou não uma ruptura no tecido das relações capitalistas de produção, em especial no núcleo produtivo operário, fazendo eclodir irrupções radicais, são questões que terão sua resposta no âmbito restrito da práxis política no decorrer dos próximos tempos.

A correlação de forças terá que ser apreendida na militância rente à classe, no interior da classe.
A classe tem uma composição complexa. A classe proletária compõe o grosso da população economicamente ativa no Brasil. A classe será abalada e juntamente com uma miríade de outros segmentos que também sofrerão o impacto da crise, irá alimentar movimentos sociais por todo o território nacional. Cada movimento social, em cada lugar, em cada recôndito do país deverá ter claro alguns aspectos estratégicos para a luta de conjunto:


a) não há solução no interior da ordem econômica capitalista - portanto, no illusions com as formas de participação institucional nas esferas de poder - o que temos diante de nós, contra nós, é o estado do capital!
b) cada movimento social, na sua especificidade de questões e de formas de luta, em cada locus em que emerja, deverá ter em mente sempre sua natureza de classe e o esforço, desde o primeiro ato, para a reunificação da classe; portanto, cada passo do seu desenvolvimento específico deverá ser encarado como um passo no sentido da auto-identificação da classe e da reunificação da classe como um todo;
c) essa reunificação da classe para a luta econômica e, posteriormente ou concomitantemente, para a luta política tem uma topografia determinada pelas condições históricas objetivas: a liderança do operariado industrial moderno está dada; portanto, uma sinergia, para usarmos um termo do pós-modernismo, deverá ser encontrada entre os diversos nucleamentos de lutas por todo o Brasil com o núcleo duro operário nas grandes regiões metropolitanas (BH, Curitiba, POA, Salvador etc) - com destaque para o macro-eixo geopolítico e geoeconômico Rio-São Paulo;
d) a composição harmônica, militante, de todas essas frentes proletárias num todo coordenado, a princípio para a luta econômica e a solidariedade proletária organizada; mas depois para a luta política organizada em partido operário, deverá ser o norte para os movimentos sociais, a cada momento que irá se suceder nos tempos que se abrirão com essa crise cíclica;
e) cada nucleamento de luta e de consciência prática do todo, independente de onde esteja brotando no vasto solo da exploração da classe por todo o território brasileiro, é precioso, é uma parte do todo da classe, é uma parte que busca a outra, sua congênere, buscando fazer da classe, concretamente, uma classe revolucionária para si - tanto nos embates econômicos e sociais, como nos embates políticos.

A dialética da luta de classes no Brasil passa por essa síntese do diverso, que não é outra coisa senão a síntese do diverso que é a própria classe proletária criada neste intenso século XX de acumulação do capital. Aqui não se fala, obviamente, em alianças. Trata-se na verdade de reunificação da classe, de política interior à classe. No interior da classe, no seu núcleo duro operário, também há complexos movimentos políticos, complexos movimentos de reunificação, tratando-se da política operária. Tudo faz crer, até porque parece ser da própria natureza do processo, que é a partir da política operária, política extremamente complexa, e seu desdobramento e maturação até alcançar um nível mínimo de coesão, de auto-identidade, é que surgem as condições mais favoráveis para implementar-se eventuais alianças com os diferentes setores da pequena-burguesia, seja o campesinato, as modernas classes médias e etc.
Nesse sentido, a previsão da crise é fundamental para sabermos em que momento a práxis política da classe tem chance de gerar efeitos cumulativos tanto de ordem qualitativa como quantitativa. Não se trata, evidentemente, de cenários de revolução ou de movimentos retumbantes da classe, mas trata-se da possibilidade bastante concreta de uma inflexão na política proletária, e operária em especial, inflexão esta cujo impulso e alcance são impossíveis de dimensionar a priori. A crise favorece essa inflexão! O ano de 2008 tem tudo para entrar para a história, como sendo o reinicio, mais tímido ou mais incisivo, do movimento operário radical no Brasil e na AL. Veremos se 2008 nos entregará o que está prometendo. De qualquer modo, estaremos lá para conferir!

Mis besos,
Ivan1871

Notas

[1] Consultar Brenner, R., Una crisis devastadora en ciernes. Por Robert Brenner, Against the Current No. 13, enero/febrero 2008, Sin Permiso, 27/01/08, traducción de Gustavo Búster, in http://br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47394, ou in http://www.solidarity-us.org/node/1297.
[2] Os itens I e II, com português revisto, distribuídos para mailing pessoal originalmente em 03Fev08 - mantivemos a data original.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democracia Proletária agradece seus comentários.
Deixe seu Email,seu Blog ou sua Página.